Parece que já nos esquecemos do sabor de um bom pão. Alimento crucificado pelas modernas teorias da boa nutrição e apontado como um dos culpados da obesidade da sociedade atual, o pão deixou de ser sagrado à mesa para passar a ser um estorvo, uma tentação a evitar. Até se dizia que “em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”, até se beijava o pão que caía ao chão como forma de pedir perdão pelo sacrilégio de desperdiçar o alimento para o corpo e também para a alma.
Não passou muito desde o tempo em que o pão ocupava a centralidade da mesa e era disputado por várias mãos, até aos dias de hoje em que é uma sombra pela qual ninguém dá conta. Parece quase uma natureza morta no sentido literal do termo no contexto da refeição e que é discretamente retirado como se não houvesse fome no mundo.
Parece mesmo que nos esquecemos do sabor de um bom naco de pão. Para além de alimento amaldiçoado pelo suposto mal que causa a uma alimentação saudável, a abundância alimentar em que vivemos retirou-lhe protagonismo. “Todos ralhavam e a razão não pertencia a ninguém” porque o desnorte imperava sempre que a fome sobrevinha. Até podemos dizer que apetece resgatar outro provérbio, desta feita muito popular em terras alentejanas, e dizer “haja fartura que fome ninguém a atura”, pois a abundância de pão promovia concórdia e gerava consenso, pelo menos o da convivialidade à mesa.
No meio do constrangimento social que sofremos quando, numa refeição protocolar levamos um pouco de pão à boca, sobreveio um ainda mais grave, a falta de qualidade do pão disponível no mercado. Não vale a pena falar muito sobre isto, pois são os consumidores que devem pela sua exigência fazer a triagem entre o que é bom o que é menos bom.
Reprovável, sem dúvida, é esquecermos que temos uma tradição ligada ao pão e à panificação que fazem desta um mundo maravilhoso a descobrir. Completamente indesejável é a facilidade com que se abandonam técnicas tradicionais para a levedura e se opta pelas soluções fáceis disponíveis no mercado. Rápidas e baratas sem dúvida, mas com imensos custos para a saúde e, sobretudo, bem-estar alimentar e digestivo. Tolice e sinal de falta de qualidade, é adicionar açúcar ao pão, atitude que terá as devidas consequências num futuro próximo.
Desagradável é perceber que é quase um milagre encontrar um pão que não seja feito com uma farinha corrigida ou à qual já foram adicionados ingredientes menos saudáveis, mas absolutamente necessários para um pão sempre lindo, sempre belo, sempre do mesmo tamanho, sempre disponível. Parece que nos esquecemos que, outrora, o pão durava uma semana ou mais precisamente porque demorava a fazer, não só a amassar à força de braços, mas sobretudo a levedar e a cozer. E ao fim e uma semana não perdia o gosto nem o sabor, pois era de qualidade.
Ocorre dizer: sabemos que pão comemos? De facto, já quase nos esquecemos ao que sabe um bom pão, e é por isso que quase “aguamos” quando cheiramos um pão acabadinho de fazer e o enchemos de manteiga ou o molhamos em azeite ou, ainda, o ensopamos no molho bom de uma chanfana ou de uma caldeirada. Aquele pão que nos matava a fome, mas que também comíamos por gula. Reminiscências felizes de quando o pão era o acompanhamento por excelência, nem nos apercebemos como sorrimos quando saboreamos um bom pão, e nesse sorriso cabem todos os sorrisos dos que viveram antes de nós e que no pão encontraram aconchego para a fome. Vislumbre, sem dúvida, de momentos felizes.