Opinião – À Mesa com Portugal

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Olga Cavaleiro

O céu que deixamos para trás, na verdade, não nos traz tristeza pela despedida, mas aproxima-nos do horizonte, da linha em que o sol beija a terra ou o mar. Deixamos para trás um céu para logo descobrirmos outro de cores ainda mais intensas mostrando que vale a pena seguir o horizonte como o lugar onde a surpresa nos faz sorrir. Deixamos um pedaço de Portugal para logo descobrirmos outro. Em cada pedaço deste Portugal tão nosso e tão do mundo aprendemos a saborear o que a terra e o mar nos dá. Aprendemos porque somos guiados e ensinados no sabor da mesa. Sem as mãos de cada cozinheira, esta outrora aprendiz hoje mestre, nunca poderíamos compreender porque um peixe da nossa rica costa nos sabe tão bem. Como é que apenas com sal e com o calor da brasa é possível fazer um peixe capaz de convencer até os que de ele fogem. Mas estivéssemos nós em território transmontano e poderíamos sentir a mesma sensação com uma posta de carne barrosã. Só sal e o calor da brasa. Para quê os molhos ou qualquer outro corpo estranho àquela simplicidade?
Ainda há bem pouco tempo, algures no nosso interior junto do rio Tejo, me deixei surpreender por uma açorda de peixe do rio acompanhada de sável frito. Consciente de que só mãos devidamente treinadas no quotidiano de uma vida podem cozinhar peixe do rio e transformá-lo num belo petisco, perguntei-me como era possível gostar tanto daquele sabor a que não estava acostumada. Seria a qualidade do pão, a utilização das ervas aromáticas, a forma como o peixe foi cozinhado? Nem quis saber, limitei-me a saborear entre a companhia de bons amigos com a certeza de que ali voltarei um dia para comer aquela inolvidável açorda onde senti caber todo a pujança do Tejo.
Na verdade, a qualidade dos ingredientes importa sobremaneira, pois é a falta dela que leva muitos dos restaurantes a optar pelos molhos com cogumelos e natas ou outras gorduras que têm como propósito disfarçar a falta de sabor de um produto que, frequentemente, é indistinto e já foi congelado e descongelado. Mas tão importante como a qualidade dos ingredientes são as mãos que os transformam. Seria possível alguém que não tivesse nascido junto ao Tejo cozinhar semelhante açorda e semelhante sável? Seria possível alguém que não tivesse nascido ao cheiro do peixe grelhado cozinhar sem o queimar, sem o salgar?
São as mãos que sabem como cozinhar sem desperdiçar o suco do peixe ou carne, qual o momento certo para colocar adicionar um tempero ou outro, reduzir ou aumentar a temperatura, como transformar alimentos de trago difícil em saborosos petiscos. É por isso que adoro Portugal. Adoraria um outro país se lá vivesse, pois em todo o lado aprenderam as pessoas a transformar, de acordo as singularidades geográficas, a alimentação, base da sobrevivência, em gastronomia, arte da cozinha e do gosto. Mas sou portuguesa e fico orgulhosa pelo que encontramos em cada recanto, em cada pedaço. Em cada um encontramos, também pelo sabor, o que nos prende às origens, o que nos faz gostar de revisitar alguns deles, repetindo o mesmo sabor, quiçá memória de uma boa companhia, e uma boa conversa, de uma paisagem de cortar a respiração. Também na mesa descobrimos uma parte de nós, a parte que sente o afago da memória coletiva a gritar-lhe porque somos assim. Obrigado Portugal pelos sabores que nos dás. Por ti, pelo teu sabor, sabemos quem somos.

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