Opinião: A fé cega nas nossas instituições (mas apenas quando convém)

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Santana-Maia Leonardo

Não há político, banqueiro, agente ou dirigente desportivo que não seja apanhado com a mão na massa que não professe a sua confiança inabalável na nossa justiça. Dias Loureiro, Oliveira e Costa, José Sócrates, Ricardo Salgado, Pinto da Costa, etc. etc. e agora Luís Filipe Vieira, todos eles declararam solenemente a sua confiança inabalável na justiça portuguesa. Traduzido por miúdos: todos eles acreditam que, no final, a justiça os vai absolver.

Significa isso que não cometeram os crimes de que estão (ou estavam) indiciados, alguns dos quais foram praticados nas nossas barbas e à vista de toda a gente? No caso português, nem sequer é preciso ter olhos na cara. Basta o cheiro. Acho, por isso, extraordinária esta fé súbita dos benfiquistas nas nossas instituições, quando, ainda há bem pouco tempo, aquando do Apito Dourado, não demonstraram a mesma fé.

Mas vamos por partes. Todos os estados têm de ter instituições para legislar, governar e julgar mas isso não significa que todas as leis sejam boas, todas as decisões governamentais sejam correctas e todas as sentenças sejam justas. E sobretudo não significa que eu, assim como todos os cidadãos deste país, tenha de ser obrigado a confiar aos deputados, governantes ou juízes o meu juízo ético sobre o que quer que seja.

Eu, pessoalmente, gosto de ser informado e de conhecer para formular a minha opinião, independentemente das leis, das decisões governamentais ou das sentenças. Até porque não é pelo facto de um tribunal absolver uma pessoa que ela não cometeu o crime.

Os tribunais, nas democracias ocidentais que têm por trave mestra o estado de direito, regem-se por regras formais que, muitas vezes, impedem a condenação do culpado mesmo quando a sua culpa é evidente, para já não falar do erro humano.
Dou-lhes um exemplo de um caso que foi notícia há já alguns anos: um indivíduo violou e matou uma criança na região de Lisboa.

A PJ desconfiou do assassino e foi a casa da mãe onde ele morava. A mãe autorizou que entrassem e fizessem a busca à casa. No quarto onde dormia o assassino, descobriram a camisa que usava quando violou e matou o menor ainda com marcas de sangue deste.

Com base nessa prova, foi condenado a perto de 20 anos de prisão. O seu advogado recorreu para o Supremo com base no facto da ilicitude na recolha da prova. O Supremo veio a dar-lhe razão: apesar da casa ser da mãe e esta ter autorizado a busca, a PJ não podia ter recolhido objetos pessoais do quarto do assassino sem autorização deste ou mandato judicial. Consequentemente o violador foi absolvido e libertado.

Nada a dizer da decisão. O respeito pelo estado de direito obriga muitas vezes a decisões revoltantes e chocantes como esta mas a alternativa seria pior porque abriria a porta à discricionariedade e ao abuso do poder por parte do estado e das autoridades. No entanto, o facto de o assassino ter sido absolvido não significa que não tenha cometido o crime. São duas coisas diferentes. Do ponto de vista jurídico, foi declarado inocente (por força das leis que nos regem) mas, do ponto de vista objectivo, é o autor do crime, sem qualquer sombra de dúvida.

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