Opinião – Um país desorganizado, uma sociedade civil muito frágil

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                                Norberto Pires

Vi muitas coisas e li muitos textos a propósito da tragédia de Pedrógão. Todos eles deixam no ar a ideia de um país desorganizado, sem nenhum tipo de coordenação efetiva, habituado a esbanjar dinheiro sem planear e sem estudar devidamente os problemas.
O país deve um pedido de desculpas a Pedrógão Grande e às famílias das 64 vítimas mortais do brutal incêndio que assolou a região, pela enorme desorganização e incapacidade que revelam os serviços do Estado, mas também pelo facto de em Portugal a sociedade civil ser muito frágil e inconsequente. Todos temos culpa pelos péssimos Governos que elegemos, pela enorme confusão a que chegaram os partidos políticos, pela corrupção que permitimos na gestão do interesse público, pela forma passiva como toleramos essa corrupção e abuso, pela nossa incapacidade de escrutinar os eleitos e de ser muito exigentes na sua avaliação, pela tolerância que temos perante nomeações feitas pelo Estado de pessoas sem a menor capacidade técnica, moral e cívica, e por termos desperdiçado os fundos comunitários que recebemos para, justamente, organizar o país. Na verdade, 130 mil milhões de euros depois, temos um país mais desigual, mais desequilibrado, mais desertificado, com índices de competitividade regional a diminuir, totalmente desorganizado e em muitos locais totalmente abandonado. Temos de pedir desculpa porque ministro-atrás-de-ministro, programa-atrás-de-programa, o único critério de boa execução de fundos é a taxa de execução, isto é, a percentagem de dinheiro gasto, e NUNCA, mas mesmo NUNCA, a qualidade do investimento, a sua sustentabilidade e os seus resultados. Atiramos dinheiro para os problemas, mas nunca pensamos verdadeiramente neles e verificamos, alguns com surpresa, que em muitas áreas temos um país pior. Os fundos comunitários são um saco de dinheiro para o qual é necessário arranjar projetos, procurando maximizar a famosa taxa de execução, ao invés de serem uma oportunidade de realizar planos de desenvolvimento regional pensados, discutidos e avaliados. Planos que obrigam a monitorizar com atenção os resultados obtidos, os impactos observados e, consequentemente, a ajustar o programa de financiamento.
Temos também de pedir desculpa pelos vários sistemas que financiamos, para sua proteção, mas que falham quando precisamos deles. É o caso do SIRESP (Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal), cujo contrato, que custou centenas de milhões de euros (mais de 400 milhões de euros), é uma maravilha da contratação pública. Este sistema foi criado para funcionar em emergências, mas a gestora do serviço avisa que o sistema pode falhar em situações de emergência. Consequentemente, trata de excluir essas falhas de qualquer tipo de responsabilidade. Em PORTUGAL contrata-se algo para FUNCIONAR NUMA EMERGÊNCIA, que funciona bem em todas as situações, MENOS NUMA EMERGÊNCIA.
A política, isto é, a atividade que deveria ter como objetivo mudar o país e o mundo, serve na verdade para alimentar interesses e lutar por poder pessoal ou de pequenos grupos. Consequentemente, aquilo que era necessário fazer, o estudo que era necessário realizar, o planeamento, a médio e longo prazo, que era necessário ter preparado, tudo isso ficou por fazer. Não fomos capazes de uma simples reorganização administrativa (temos um país minúsculo reticulado em 308 municípios, muitos deles com menos de 10 mil habitantes) e de dar voz ao planeamento, à competência, à avaliação e à necessária responsabilização. E todos somos responsáveis por isso, porque validamos, mais ou menos calados, as várias ações que conduziram a este estado de coisas.
Pelo que agora, perante a tragédia de ver 64 pessoas mortas porque somos um país desorganizado e incapaz de proteger seu território e população, querem pedir responsabilidades a quem? Ficam contentes se um ministro se demitir? O que é que isso resolve, se, na verdade, o verdadeiro monstro está espalhado pelas várias instituições e tem mecanismos de autoproteção? De que vale querer saber o que aconteceu em Pedrógão, de forma competente e técnica, apontando as várias falhas e problemas, mas também as soluções e necessárias substituições de pessoas por incompetência, se de imediato aparece logo um “especialista”, daqueles que está há várias dezenas de anos na gestão da desorganização nacional, a dizer qual foi a causa de tudo isto? E como sabe? Não sabe, suspeita, baseado na sua grande “competência” e “experiência”. De que vale alimentar a “intenção” de tudo avaliar, de forma independente e técnica, sem a prévia determinação formal e solene de que isto vai mudar definitivamente? Não podemos permanecer na ilusão e ficar tranquilos com aparentes atos de mudança. O que é importante que esses senhores saibam – senhores que andam há dezenas de anos neste assunto, deixando tudo na mesma – é que a calamidade de Pedrogão é demasiado grande, que morreram demasiadas pessoas para isto ficar por conversa fiada. Tudo tem de ser colocado em causa, avaliado e será necessário retirar todas as responsabilidades e consequências. O que é preciso é que todos metam na cabeça que isto não vai voltar a acontecer. Devemos isso aos que morreram, mas especialmente aos que ficaram, todos nós, nomeadamente os familiares e amigos mais próximos das vítimas, que vão ter de viver com este drama toda a sua vida.
A tragédia de Pedrógão, assim como muitos outros eventos marcantes, mostra bem que em Portugal há muita gente que sabe o que está mal, mas são raras as pessoas que sabem o que deve ser feito e quase inexistentes aquelas que, sabendo o que deve ser feito, têm coragem de deitar mãos à obra. Essas são pessoas tidas por loucas e têm o péssimo hábito de viver como pensam, sem pensar como viverão. Num mundo de gente a tratar da vidinha, estes loucos não sobrevivem muito tempo e nós, todos nós, somos responsáveis por isso.
Pensem nisso.

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