“Uma jovem concorre ao ensino superior público. Efectua a inscrição que faz depender, a seu modo, de concessão de bolsa. Em 15 de Outubro de 2010 paga de inscrição 225 €.
Bolsa recusada. Por não ter hipótese de suportar as propinas, cancela a inscrição. Não frequenta uma só aula. Passados estes anos, tem o Fisco à perna: o Estado moveu-lhe uma execução e tem de pagar, com juros e o mais, para cima de 1.041, 51€.
Os montantes são devidos? Já não prescreveu a dívida?”
Se se tratasse de estudante do ensino privado ou cooperativo a dívida estaria prescrita:
Prescrevem no prazo de dois anos (Código Civil: alínea a) do art.º 317 ):
“Os créditos dos estabelecimentos que forneçam alojamento, ou alojamento e alimentação, a estudantes, bem como os créditos dos estabelecimentos de ensino, educação, assistência ou tratamento, relativamente aos serviços prestados.”
Trata-se, porém, de uma prescrição que se funda na presunção do pagamento.
A presunção de pagamento só pode ser ilidida “grosso modo” por confissão do devedor: e a confissão extrajudicial só valerá se for prestada por escrito.
A afastar-se, por hipótese, a prescrição de dois anos, a que recai sobre prestações periodicamente renováveis, v. g., as propinas, é de cinco anos (Código Civil: g) do artigo 310 ).
No entanto, a educação é um serviço público essencial, ainda que fora de catálogo.
E a prescrição dos serviços públicos essenciais (dos do catálogo) é de seis meses.
Estas disparidades aumentam de tom, contudo, quando se trata de estudantes do ensino público:
“A propina está sujeita ao prazo de prescrição de oito anos previsto no art.º 48º da Lei Geral Tributária como, também, ao termo inicial do curso desse prazo previsto no preceito… e não pode classificar-se como um “tributo periódico”, constituindo, antes, um “tributo de obrigação única”, cujo prazo de prescrição se inicia, por isso, na data em que o facto tributário ocorre”.
(acórdão de 20-05-2015 do Supremo Tribunal Administrativo)
No caso vertente, o facto tributário “substancia-se, não no acto de matrícula ou de inscrição, mas na frequência ou fruição do serviço público de ensino durante um período de tempo lectivo”, o que significa que alegando-se e provando-se que não houve “frequência ou fruição” do serviço, inexiste facto tributário e, consequentemente, inexiste dívida a sujeitar a execução fiscal”.
O facto é que há patente desigualdade perante a lei.
Os estudantes do ensino privado (ou equivalente) têm um estatuto legal mais favorável que os do ensino público. O que contraria flagrantemente o artigo 13 da Constituição da República que estatui sobre o “princípio da igualdade”:
“1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”
Daí que haja que reivindicar, em análogas situações, a inconstitucionalidade da regra que sujeita os estudantes do ensino público a condições mais gravosas que os do ensino privado no que toca às propinas e ao mais. Algo de que as associações de estudantes não poderão deixar de considerar para os devidos efeitos.