Opinião: À Mesa com Portugal

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Olga Cavaleiro

Outrora quando as partidas e as chegadas eram feitas ao sabor das lágrimas salgadas era a alimentação consolo para as saudades difíceis de esconder.

Era o cheiro do pão acabadinho de fazer ou o sabor do arroz doce feito lá longe que enganava a revisitação constante das recordações da família deixada para trás. Fugia-se à saudade construindo, na diáspora, a memória alimentar da terra. Memória que era construída, não na solidão das lágrimas, mas sempre na alegria de uma mesa plena de risadas e de cumplicidade.

Durante anos foi assim, a gastronomia portuguesa ia na algibeira de cada português que saltava a fronteira e arriscava oportunidades melhores. Tanto era que deu fruto maduro o chamado mercado da saudade dos chouriços, dos queijos, dos vinhos, dos doces, das frutas, de tantos outros produtos plenos de portugalidade, sobretudo, pelo receituário das nossas matriarcas, grandes escrivãs que, na oralidade do pote, desenharam o que chamamos hoje de gastronomia portuguesa.

Ainda que os tempos das partidas e das chegadas feitas ao sabor de lágrimas se tenha já diluído na passagem de um Portugal em permanente cais de embarque, atrevo-me a dizer que, ainda hoje, quando partimos, lá longe, a primeira coisa de que sentimos saudades antes mesmo do pai e da mãe é da comida que nos aconchega a alma, mais do que o estômago. Tinha, pois, razão Fialho de Almeida.

Mas hoje Portugal, é orgulhosamente país de chegadas, é país de acolhimento a muitos turistas que vêm à procura de um país singular porque, apesar de pequeno, é manta de retalhos na geografia, na cultura, na história e também na gastronomia. Mal andamos para o concelho vizinho são diferentes os cheiros, os aromas, as texturas que se encontram sobre a mesa. A gastronomia já não engana a saudade de quem parte, mas cria saudade a quem nos visita e sente à mesa o abraço de um Portugal de inusitados sabores.

A verdade é que a gastronomia é, hoje, anfitriã num país rico em pratos nacionais que se multiplicam em regionalismos que lhe dão especificidade. Do Minho e Trás-os-Montes ao Algarve e aos Arquipélagos encontramos sabores com pronúncia, no dialecto de quem os faz e os sente na sua geografia.

Mais do que tudo, podemos dizer que é a gastronomia quem recebe, sobretudo, nos espaços mais recônditos de Portugal. É ela a face visível de todo o invisível que se esconde por detrás da inspiração que levou à criação de uma receita que deixa marcas profundas na memória do palato.

É a gastronomia quem acarinha os nossos visitantes, quem lhes conta as histórias, quem lhe cria emoções muito além das gastronómicas. É assim, porque uma receita tem voz, tem vontade, tem vida e existe para além do povo que a criou, existe para além de quem a reproduz. Ainda bem que temos a gastronomia a preencher os lugares vazios de nós, de Portugal.

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