Daqui até 1 de outubro Coimbra está para ser musa outra vez. Virão as juras de amor, os projectos de futuro, os planos empreendedoristas, os orgulhos de antanho e as ilusões do devir, as promessas de recentramento e os planos de regresso ao protagonismo de que se compõe o ruído que já se vai levantando. Nada de novo.
No entanto, desde há já demasiado tempo, o único balanço “positivo” de cada quadriénio do ciclo eleitoral autárquico é o da multiplicação dos centros comerciais e dos hipermercados, portas automáticas a abrirem-se empurrando o fecho das portas do comércio de proximidade.
Vem este meu lamento a propósito de uma visita que fiz esta semana, juntamente com camaradas meus, à Baixinha de Coimbra. Lojas vazias, ruas sem passantes, o centro histórico da Cidade sem aqueles que lhe deveriam ser futuro. Os que foram dali moram agora nos arredores, como eu, nos lugares onde os pato-bravos ergueram os guindastes para plantarem a terra toda de betão, fealdade e acabamentos de má qualidade, também porque da Baixa não se cuidou.
Caminhei em ruas vazias, ouvi queixas de quem agora se lamenta de não ter dado ouvidos, no tempo que era devido, a quem afirmava que os “postos de trabalho” das grandes superfícies não eram “criação” – eram subtracção de terreno ao pequeno e médio comércio, incapaz de concorrer com as multinacionais em matéria de preços, localização e horários de abertura. E mais a novidade, a fast-food, o estacionamento, a sala de cinema enlatado, o cantor da moda a distribuir beijinhos e cançonetas, as lojas-âncora e as respetivas luzes a encandear as mentes precisadas de glamour.
Uma comerciante queixava-se de que a Polícia Municipal a tinha obrigado a ocultar um painel de publicidade, por estar fora das normas municipais de apresentação. Não longe dali, porém, galgada a margem do Mondego, a destruição de uma encosta para instalação de um paralelepípedo de venda a retalho e uns quantos lugares de estacionamento enquadra-se na maior das concordâncias autárquicas, ilustrando o paradoxo de uma cidade que, no mesmo discurso de circunstância, proclama lendas imortais e se vende pelos tais 30 dinheiros.
A permanecer neste rumo, a Baixa – Coimbra toda! – não tem futuro, mesmo que a minha memória do passado lhe consiga ressuscitar o brilho dos brinquedos nas montras vazias da Adelino Veiga, paredes meias com o maravilhoso caos cerâmico nos patamares do Saul Morgado (também abandonado), o aroma da barraca de pipocas na Praça Velha, o perfume do Loureiro dos Cafés, tristemente assassinado. Mesmo que os da minha geração consigam recordar as ruas pejadas de gente, de quando a Estação Nova era o centro do mundo e os afazeres dos vivos os levavam da loja de ferragens para a retrosaria, do pronto-a-vestir para a pastelaria, do hospital das bonecas para a barbearia.
A Baixa está a morrer, corpo exangue a quem falta o essencial – gente, de novo, a correr-lhe nas veias. Antes que seja demasiado tarde.
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