A história da prática científica, como ato de descoberta, é uma história da emancipação progressiva do Homem de erros e falhas quase sempre sociais. São as que impedem o progresso da humanidade e é o que poucos relatam de forma tão clara como um manuscrito que existe no Arquivo Histórico Municipal de Coimbra, que com algum esforço e ajuda consegui transcrever.
Assim o narrador de um tempo de estupidez relata:
“Também acima falei na seita dos libertinos, e de alguns estudantes que foram penitenciados com outros mais sujeitos presos entre os quais sucedem terem vindo muitos da Vila de Valença do Minho, onde a seita herética se diz andar muito espalhada com vários erros, não só os nomeados, mas outros muitos da mesma Vila, e de outras partes que vão abjurando e soltando-se reconciliados com a Igreja segundo se diz, quando agora em 27 de Junho nesta cidade foi também preso José Anastácio da Cunha, de Lisboa, Lente da Cadeira de Geometria nesta Universidade, que antes tinha assistido muito tempo na mesma Vila de Valença, e se suspeita ser consócio dos mesmos erros e da mesma Seita dos Libertinos ateístas depois disto vieram presos uma mulher e o sargento-mor do batalhão da Praça de Valença”1.
Os libertinos eram aqui jovens que procuravam manter nos anos 1770 um espírito de renovação da Universidade impulsionado pelo espírito renovador do Marquês de Pombal. Em 1778 era um tempo de refluxo que se seguiu à morte de D. José e que um estudante brasileiro, Francisco de Melo Franco, combate com poema intitulado O Reino da Estupidez, que é aqui também o do Império do Medo.
Perdeu-se então um impulso inicial que viemos a recuperar por diversas vezes, mas sempre sem a continuidade necessária para darmos o salto necessário para um patamar superior. É o que acontece por ser sempre entremeado por percalços onde a Grei perdeu sempre oportunidades de progresso científico e, consequentemente, também social.
De facto, na segunda metade do Século XIX com Júlio Henriques e o apoio do Reitor Visconde de Vila Maior, retomou-se em Coimbra um novo espírito científico que, se tudo corresse bem seria continuado com investigadores como Aurélio Quintanilha que, infelizmente, é obstaculizado em 13 de Maio de 1935 com a sua expulsão da Universidade de Coimbra, mas, felizmente, prosseguiu a sua pesquisa em Moçambique.
Muitas outras histórias comprovam o muito que Portugal foi perdendo sempre que a liberdade dos seus cientistas foi cerceada.
Disso é exemplo as histórias de vida dos pesquisadores portugueses, que foram demasiadas vezes impedidos de atingirem patamares de excelência. E assim foram frustradas as suas legítimas expetativas que eram também uma promessa de progresso coletivo, que desta forma ficou por cumprir.
Esperemos sempre que algum dia este devir mude.
E para que tal aconteça precisamos de Liberdade.
1 Reis, Luís de Sousa dos – Apêndice e notas a Raio de Luz, Manuscrito autógrafo, Arquivo Histórico Municipal de Coimbra, 1763-1783, folha 312, frente.