Opinião: Igualdade, esse género ainda desigual

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Joaquim Amândio Santos

O sector do calçado assinou na passada terça-feira um contrato coletivo de trabalho que garante salários iguais para homens e mulheres com as mesmas funções.

A Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS), considera este contrato como “histórico” porque, refere publicamente “pela primeira vez iguala os salários entre homens e mulheres”.

O ato foi tão relevante quanto revelador.

O relevo deu-lhe honras de presença ministerial para dotar essa assinatura da pompa e circunstância que a sua importância exigia.

À APICCAPS e aos empresários o meu aplauso por tão importante medida que, a ter algum laivo pecaminoso, só o tem por ser tardia.

A revelação é que já não aparece aos nossos olhos tão límpida, nem tão aceitável.

Atentemos num dado.

Ainda segundo a associação que tutela o sector, as mulheres representam cerca de 60% dos trabalhadores, no cada vez mais importante e forte sector do calçado, verdadeiro motor maravilha das exportações nacionais.

Ou seja, até à assinatura deste acordo, seis em cada dez trabalhadores das inúmeras unidades fabris nacionais de calçado, recebiam vencimentos menores do que os restantes quatro colegas, exercendo as mesmas funções, com os mesmos horários, responsabilidades, esforço e contribuição para a produtividade e lucro das unidades.

E simplesmente por serem mulheres.

Estamos em 2017. 2017.

Não 1917 nem muito menos 1817.

Em pleno fecho da segunda década do século XXI, continuamos a ter desigualdades socioeconómicas e sobretudo exploração laboral baseadas pura e simplesmente na diferença de sexo.

Perdoem-me os muitos marialvas de simbólico bigode farfalhudo virtual e unhaca de oito centímetros e as ainda existentes representantes do sexo feminino que acreditam na subserviência perante o macho dito forte, mas num mundo que se diga digno e justo, a igualdade de género vai muito para além de um direito, sendo um dever da sociedade no seu todo e de cada um de nós em particular.

Esta inconcebível injustiça de género, trazida ironicamente a lume por um ato muito positivo assumido por um sector económico, continua a ser um incómoda pedra no sapato da justiça laboral, sendo exigível que governos, sindicatos, associações empresariais e empresários assumam, de uma vez por todas, a necessidade de a mesma ser erradicada de vez e rapidamente.

Por outro lado, esquecemos muito facilmente que muitas das trabalhadoras que exercem funções nos mais diferentes sectores da economia, acumulam ainda uma das mais fundamentais tarefas para a sociedade humana: ter um papel primordial no bem cuidar da família e da casa.

Tarefa não remunerada, sem horário, sem fim, sem dias de folga ou férias prolongadas e que, muitas vezes, é exercida sem ajuda de maior, ou mesmo, sem ajuda alguma.

Perante tudo isto, existir ainda uma generalizada injustiça na diferenciação de salários que penaliza as mulheres, revela bem quanto ainda estamos longe de erguer uma sociedade onde a justiça seja algo mais do que uma palavra usada e abusada, dando jeito a muitos defender e sendo para os mesmos, difícil de implementar.

Difícil, mas tão necessária como urgente.

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