Fui condenado a só me darem razão passado muito, muito tempo. Dois factos ou duas histórias comprovativas:
1. No 3.º ano de Medicina, numa cadeira, durante as aulas intervinha e expunha o meu ponto de vista sobre o assunto. 50 anos depois, uma minha colega de curso veio mostrar-me umas radiografias da coluna, da mãe (já estava viúva). Dei a minha opinião. Ela já de pé, para se despedir, volta-se e diz-me “Lembra-se daquelas discussões que tinha com o Professor M…”. Eu “Tenho uma vaga ideia”. “Nós na altura, lá está o chato do Canha com as suas filosofias. Não é que, 50 anos depois, são os problemas do mundo actual?”
2. Quando se aproximava a data da jubilação, fez-se um relatório do serviço, prevendo que, ao não ter sido feito o prometido, corria-se o risco de ir para o descalabro do hospital. Mandei esse relatório a sua excelência o Presidente da República Jorge Sampaio, para o Ministro da Saúde e Reitoria…
O Presidente da República respondeu que tinha enviado ao senhor ministro da Saúde. Para ele (ao senhor Ministro) já tinha enviado. Que fique pelo menos para a História que o responsável não é quem trabalha no serviço e no hospital mas a maldade ou subserviência de onde emanam as ordens e da subserviência instalada a partir do momento em que o director do hospital deixou de ser eleito e passou a ser nomeado.
A qualidade dos cuidados está a desmoronar-se, embora eu diga que se estivesse em qualquer parte do mundo, onde gostaria de estar, se algo de grave me acontecesse, era nos Hospitais da Universidade de Coimbra. Os erros, salvo a propaganda laudatória, estão a acumular-se. Quem manda, tolera, ou por comodismo ou para, agradando, subir mais um degrau da escada. Não se procuram as razões das coisas, mas citam as estatísticas para comprovar as coisas.
Aconselharia que fosse pedido a todos os que trabalham no serviço e não só ao director, um relatório para que se traçassem os novos caminhos que os que estão a ser seguidos são manifestamente traiçoeiros em relação ao que já foi e ao que se pretende que seja a saúde em Coimbra.
É de tal maneira o despudor que dando por exemplo o Banco de Conservação de Tecidos e Órgãos, montado à custa da Gulbenkian, onde consta o nome do Professor Ferrer Correia, se preparavam para o levar para Lisboa e não fora a Doutora Ana Calvão da Silva, que não é ortopedista, teria acontecido isso mesmo. Para fazerem uma ideia da responsabilidade de tal acto se tivesse acontecido (felizmente não aconteceu), provavelmente não teria sido feito a primeira fecundação in vitro, pelo Professor Agostinho de Almeida Santos, dado que esse banco permite a conservação dos embriões, nem se teria alcançado a qualidade que o serviço de ortopedia alcançou, se não tivesse aquela dimensão e que os ortopedistas operassem quase todos os dias.
Donde a minha sensação de desalento por vermos todos nós que em curto espaço de tempo trouxemos para Coimbra o centro da Medicina Portuguesa, o quanto sofremos ao vê-lo desintegrar. Vejam até que havendo duas salas de operações de urgência, uma para cirurgia e outra ortopedia, hoje estão encerradas. E admiram-se que a imprensa cite que 20% das mortes são por infecções hospitalares. No nosso tempo isso não acontecia. Nem antes da era dos antibióticos.
Bom seria que a Comissão de Saúde da Assembleia da República e a Ordem dos Médicos, conjuntamente, procedessem a uma reavaliação do que está a acontecer em Coimbra e noutros hospitais.
Cuidar da saúde dos doentes é cuidar da nossa própria saúde.