Opinião: Homenagens olvidadas

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Aires Antunes Diniz

Fala-se agora na era pós-verdade como se fosse novidade de agora, mas muitos de nós já nos deparámos com omissões de informações sobre acontecimentos, em que fomos protagonistas ou meros participantes em atos de homenagem, que logo se silenciaram. Foi o que aconteceu aos estudantes e professores de Medicina da Universidade em 4 de Dezembro de 1894, como se relata:

“Fomos lá com uma ideia dirigente e superior, a que subordinámos o nosso porte. Essa ideia não foi reconhecida nem estimada por todos, e aqui encontrais vós mais uma vez o exemplo das injustiças. A imprensa periódica com rara exceção acolheu-nos friamente. Certos correspondentes de jornais não tiveram uma palavra de simpatia ou de aplauso para com os académicos, que eles noutros momentos não duvidariam bajular. A razão é sempre a mesma: norteia-os outro rumo, que eu me absterei de definir, pois o tendes todos em vossa mente.”1

Tratava-se neste caso da homenagem a um médico Francisco da Cruz Sobral que, sendo heroico no combate à febre tifoide em Manteigas em 1882, não tinha resistido a uma campanha caluniosa, despertando em muitos a necessidade de o homenagear, levando-os por isso à Guarda para aí discursarem. Mas, indo à Guarda foram descobrir como uma cidade estava a encontrar a sua vocação como cidade da Saúde. Contudo, não foi isso que aprenderam.

Ganharam o conhecimento de que a imprensa da época não estava interessada em mostrar uma realidade, que degradava a região, fazendo-a palco de endemias, onde médicos como António Augusto Pereira de Matos em Manteigas em 1910 e Eduardo Augusto Ribeiro Cabral na Meda em 1918 morreriam anos depois, tentando salvar doentes e populações como era o caso de Manteigas e Meda. E já se sabia qual era o problema e a forma de o resolver, tendo até este último clínico aplicado a ciência médica no saneamento básico de Trancoso.

O problema era político pois os donos da vara do poder não queriam ou não tinham capacidade política para disciplinar os comportamentos coletivos. Também agora o problema é político pois, perante a possibilidade de resolver os problemas da finança, de saúde pública, da educação, procura-se embaralhar o jogo, escondendo dados relevantes ou inventar uma patranhas e as impossibilidades delas decorrentes, para lançar os povos em becos sem saída fácil.

Saber os dados, que permitem equacionar os problemas, é agora o necessário para elaborar estratégias que podem conduzir a uma vida melhor. Infelizmente, os povos vivem submersos por uma imensidade de inverdades úteis a alguns que inquinam a vida coletiva. E aqui são os cidadãos que devem desmistificar as falsas narrativas, que são as que os impedem de ver onde está o caminho coletivo que os emancipe das amarras que a manipulação das consciências tece continuadamente.

1 Representação da Faculdade de Medicina nas Solenidades do dia 4 de Dezembro na Guarda, Coimbra Médica (Revista Quinzenal de Medicina e Cirurgia), 13º ano, n.º 23, 15 de Dezembro de 1894, p. 379.

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