Opinião: Tantos meios para comunicar, tão mudos que somos

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Joaquim Amândio Santos

Em 2021 existirão em todo o mundo 5,5 mil milhões de telemóveis, um número superior ao que se prevê para as ligações de água canalizada ( 5,3 mil milhões) ou de contas bancárias ( 5,4 mil milhões).

Nos próximos quatro anos, o número de dispositivos móveis crescerá tanto que deverá atingir 1,5 equipamentos por habitante deste planeta, se aos telemóveis juntarmos as comunicações máquina-a-máquina, que farão disparar o número para 12 mil milhões.

Se a estes dados estatísticos adicionarmos o facto de uma parte pequena, mas significativa, da população humana viver ainda sem acesso a essas tecnologias, transforma o chamado mundo evoluído numa amálgama de seres vivos agarrados compulsivamente aos seus aparelhos de comunicação.

Comunicação ou barreira comunicativa?

Facilidade tecnológica para nos ajudar no dia-a-dia ou instrumento de aceleração do ritmo já frenético e, como tal escravizante do nosso bem estar?

Instala-se, cada vez mais, uma mudez social na interação direta entre as pessoas.
Se não vejamos.

Do reino da conversa face a face ou da longa chamada telefónica, passamos cada vez mais ao inócuo, insosso e frio ato da mensagem escrita e, mesmo esta, pateticamente reduzida, na maior parte das vezes, a um conjunto de bonecos ou de abreviaturas assassinas das palavras, causando mais estragos ao domínio da língua que qualquer patético acordo ortográfico!

Do ruído inerente a animadas conversas em cafés e restaurantes, passamos agora a uma crescente importância do sussurro sonoro proveniente dos dedos a passear pelos monitores, com mesas inteiras a ignorarem-se olimpicamente, uma mão no garfo que leva comida à boca, dois olhos e a mão restante numa amena cavaqueira silenciosa com o ecrã por onde deslizam as vidas alheias expostas nas redes sociais.

Das horas e horas que deliciosamente despendíamos com tertúlias acesas, sobre os mais diversos temas, passamos agora a essa relação osmótica com o ecrã de uma máquina, que nos reduz, em boa parte das vezes, ao triste fingimento de que estamos a interagir socialmente, convivendo, quando mais não fazemos do que nos esconder por detrás do muro da distância que a tecnologia nos proporciona.

Dos concertos a que assistíamos, dos eventos desportivos com que vibrávamos, passamos agora a “registadores” de imagens dos mesmos, esquecendo a emoção direta do momento em que participamos, em prol da necessidade de registar o acontecimento para uma qualquer posteridade e aplauso alheio, mal coloquemos a foto ou o vídeo na rede.

Já não interessa estarmos lá, passa a interessar que saibam que lá estivemos.

Incluo-me, obviamente, entre os que, ao longo da vida, se viram mergulhados neste mar imenso da tecnologia e da sua utilização incontornável. Por isso mesmo, por com ela viver e dela precisar, não me deixo anestesiar pelas suas muitas virtudes e utilidades, percebendo cada vez mais o bem que faz e o bem que sabe colocar na vida cada vez mais minutos (já são horas) diários erguidos após aquele delicioso pressionar do botão para desligar os aparelhos.

A melhor tecnologia cruzada que possuímos inclui no pacote as nossas cordas vocais, as narinas, os olhos e esse conjunto de células a que damos o nome de cérebro.

Não estão à venda em lojas e jamais ficarão desatualizados se lhe dermos o devido uso. Eu tento.

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