Opinião: Em Portugal, a culpa vive alegremente solteira

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Joaquim Amândio Santos

Segunda o jornal Eco, a Caixa Geral de Depósitos pagou à sociedade de advogados Campos Ferreira, Sá Carneiro & Associados (contratada para assessorar António Domingues) para negociar e ajudar a preparar as alterações ao Estatuto de Gestores Públicos — onde se incluía a já famosa modificação que permitiria aos administradores eleitos não tornarem públicas as suas declarações de rendimentos.

Segundo o Público, a alteração à lei que isentava a equipa de António Domingues foi negociada, ponto a ponto, com o mesmo escritório de advogados.

E, imagine-se, que aquilo que os doutos causídicos construíram no enunciado, foi religiosamente seguido à risca pelo Ministério das Finanças, sem alterações dignas desse nome.

Se já isto nos provoca revolta, uma vez mais, por toda esta promiscuidade nem sequer disfarçada entre a coisa pública e o interesse privado, imagine-se que o trabalho do escritório a favor dos administradores, foi feito ainda antes de Domingues ter sequer contrato assinado com o banco.

Esta história inscreve-se num longo rol de total desfaçatez dos protagonistas da nossa vida pública e é mais uma prova da promiscuidade que existe nas relações entre os interesses privados e os da esfera pública, que é o mesmo que dizer, fragilizando o que a todos pertence e que deveria ser guardado de forma ciosa e competente por quem exerce funções em nome do povo.
Em nome do povo? Decididamente não.

É mais em nome de um “polvo” gigantesco que foi crescendo, década após década, independentemente das cores partidárias e mesmo salvaguardando muitos políticos e gestores públicos verdadeiramente impolutos.
Esta espécie de “irmandade tentacular” reúne políticos, banqueiros do regime e empresários bafejados pela mão protetora de quem gere os recursos do Estado.

E vão rodando. Passam de funções executivas ou parlamentares para a administração de instituições bancárias, saem dos escritórios de advogados para irem para o governo ou para a Assembleia da República sem deixarem realmente o escritório onde se elaboraram enunciados que viram leis, aprovadas com o voto de quem as trouxe porta dentro do parlamento. Outros, dão o salto para as empresas do regime, revelando instantaneamente um enorme talento para a gestão empresarial, nem que seja apenas pela lista enorme de contactos que facilitam negócios.
Aliás, só assim se entende que um banco público como a CGD, onde estão os depósitos de uma larga fatia dos portugueses, tenha chegado a uma situação de quase falência, com milhares de milhões de euros enterrados em crédito mal parado, concedido de forma verdadeiramente danosa e tendo na lista de maiores devedores grupos empresariais com claras ligações ao Estado e aos bancos.

Daí poderem dormir descansados o ex-secretário de estado Paulo Núncio e o seu sucessor, Rocha Andrade.
Esta pequena distracçãozita de dez mil milhões de euros “exportados” para off-shores, agora anunciada, sem que o fisco lhe tenha feito o devido crivo, será sempre compensada, a exemplo dos buracos na banca, pelos sucessivos assaltos à carteira do contribuinte.

Nunca ninguém será responsabilizado, nunca ninguém responderá pelos danos causados a todos nós, pois as responsabilidades da delapidação da riqueza de Portugal passarão sempre ao lado da punição de todos quantos a provocaram.
A estes, mal saem da vida pública, está reservado um lugar dourado num qualquer banco ou empresa que os mesmos beneficiaram.

E é isto.

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