Face à dimensão do escândalo do Apito Dourado, houve quem acreditasse que o futebol português iria finalmente ganhar vergonha na cara e passar a reger-se por regras mínimas de transparência, imparcialidade, equidade e boa conduta. Acontece que é mais fácil mudar o carácter de um escorpião do que o carácter dos dirigentes e adeptos portugueses.
O Regulamento disciplinar da FFP pune com a descida de divisão qualquer forma de coacção sobre a equipa de arbitragem que contribua para que o jogo ocorra em condições de anormalidade competitiva (artigo 59.º).
Ora, em Portugal, um árbitro, quando entra no Estádio da Luz, sabe que o jogo vai ser transmitido pela televisão do Benfica, em exclusivo, e que o seu trabalho vai ser avaliado pelas imagens que os operadores contratados pelo Benfica selecionarem e pela interpretação dos lances que comentadores e ex-árbitros contratados pelo clube fizerem, tendo estes o poder de, em primeira mão e em directo, destruírem a reputação do árbitro ou atenuarem os seus erros. Existe maior poder de coacção sobre um árbitro do que este? Digam-me um país do mundo, incluindo os mais corruptos, onde seja permitido que jogos do campeonato nacional sejam transmitidos, em exclusivo, por uma televisão de um clube participante.
Relativamente ao caso dos vouchers do Benfica, não deixa de ser, no mínimo, estranho que o Benfica, que tanto se escandalizou com as prendas dos “Apitos em Oiro” e das “prostitutas” a pedido, tenha começado a presentear os árbitros com prendas de valor superior às que eram dadas por Porto, Boavista e Gondomar, para mais depois de saber que a justiça desportiva considerava este tipo de comportamento incorrecto, tendo, inclusive, o Boavista descido de divisão por causa disso.
Além disso, a argumentação do Benfica não colhe quando invoca o tecto dos 300€ das provas da UEFA como limite aceitável para prendas aos árbitros e por duas razões óbvias.
Em primeiro lugar, nas competições europeias, não só o número de jogos é reduzido como, tendo em conta os valores envolvidos, todos os clubes estão em pé de igualdade. Ora, isso não acontece no campeonato nacional, uma vez que não são dados a todas as equipas os meios económicos para poderem dar prendas desse valor a todos os elementos da equipa de arbitragem e observadores, o que gera, logo à partida, uma situação de desigualdade manifesta. Aliás, basta imaginar o que sucederia se se viesse a saber que o Tondela, o ano passado, tinha dado a todos os árbitros e observadores um voucher de 300€ para fazer compras no Palácio do Gelo em Viseu.
Em segundo lugar, nas provas da UEFA, os clubes não têm a possibilidade de vetar árbitros, como acontecia em Portugal, o que significa que apenas tinham direito aos vouchers os árbitros que estavam nas boas graças do clube e assim quisessem continuar.
E para quem acha que isto é tudo inocente, uma pergunta: quem ganhou os três campeonato antes da BTV começar a transmitir, em exclusivo, os jogos do Benfica e quem ganhou os três campeonatos seguintes? Estranha coincidência!
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