Opinião – Crimes e “paixões” humanas

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Diogo Cabrita

Evágrio do Ponto ( 345 – 399 ) teria escrito uma lista de oito crimes (culpas) e “paixões” humanas, em ordem crescente de importância (ou gravidade). Da sua vivência com os monges, interpretou os seus defeitos no quotidiano da partilha, definindo os oito males do corpo, mas também doenças espirituais que os afligiam e conduziam à disputa e à discussão. Gula, Avareza, Luxúria, Ira, Melancolia, Preguiça, Orgulho, Vanglória. O Papa Gregório Magno muito mais tarde, adaptou-a para o Ocidente como os sete pecados capitais, reduzindo-os de 8 para 7, desprezando ou interpretando como redundante a melancolia.
Mas a tristeza que nos manieta, que nos isola e faz rejeitar, não devia ter sido menosprezada. Vejo frequentemente insuportáveis melancolias que desestabilizam famílias. Reflectindo várias vezes sobre esta temática fui percebendo que o Fanatismo, o Ciúme, a Desconfiança, o Desprezo, também estariam na firme lista dos males do convívio. A intolerância deriva da convicção de que se tem uma solução milagrosa e única, o que é uma vaidade, mas se impedirmos as alternativas, seremos fanáticos e autoritários. O ciúme é uma doença contemporânea que deriva do narcisismo, da ideia de posse e de uma barbárie educacional ainda vigente. Os pais querem-se donos dos filhos, os homens donos das mulheres e vice-versa, produzindo ira e “morte matada” sempre que expostos à vergonha da traição ou do abandono. O ciúme tem assassinado dezenas de mulheres na caminhada da emancipação.
O mais fascinante é a ideia que muitos têm de que o ciúme significa amor e que quem não tem ciúme não ama. Assim regressam aos braços que as torturam convictas de que posse é amor, confundindo patrão com companheiro. Evágrio do Ponto que era monge, não descreveu esta doença que atormenta a humanidade e está plasmada nos castigos corporais de algumas religiões. A morte da traidora. O desprezo ou o silêncio perante o crime é outro pecado capital que deriva do Medo ou não. O silêncio pode vir da falta de respeito, da falta de sensibilidade, ou do receio. Então o medo seria outro pecado capital. Assim, diria que podemos trazer o Ciúme, o Fanatismo, a Cobardia, a insensibilidade/Desprezo, e manter a melancolia entre os pecados que Gregório Magno nos deixou como sinais de alerta. São as idiossincrasias que produzem ruído na relação das pessoas. Convicções extremadas, quer políticas, quer religiosas, separam, não unem. Agora seriam doze. Se dominarmos estes doze erros do convívio teríamos uma vida balizada no respeito da entrelinha das pessoas. Há no entanto um problema que afecta os humanos que é a sua tendência para os vícios. A gula é uma alteração da comida, mas os vícios podem ser por fumar, por utilizar drogas ou por beber excessivamente. Se englobarmos a gula neste Vício, teremos os mesmos doze e de modo mais lato, ou de modo diferente criaríamos um pecado mais englobante.
Existirão mais asperezas da cidadania? Há nas relações humanas algo semelhante aos tecidos, uma atracção pelos semelhantes que tem uma exclusão da diferença que pode ser banida pela curiosidade, mas que nasce da estranheza. A inibição de contacto e a permeabilidade selectiva são característica das membranas celulares que nos permitem entender porque um cancro é anti-social: ele penetra o espaço ao seu redor, não reconhece o limite dos seus semelhantes. Uma das asperezas é a da falta de coerência quer na justiça quer na interpretação dos factos. A incoerência pode provocar sensações de revolta e condiciona o aparecimento da jurisprudência. Para os mesmos crimes devem dar-se penas similares sendo as circunstâncias comuns. Perceber a coerência como uma virtude, é uma concepção que introduz um novo pecado social, o da Incoerência. Se construirmos a educação das pessoas sobre pilares de virtude encontramos nesta construção uma estrada que leva à formulação de melhor justiça, melhor educação, e estrutura as opções ideológicas. Porque a Mentira é uma base de engano e de falsidade devíamos trazer esta imoralidade ao grupo dos pecados e assim saberíamos que há afinal catorze alfinetes na membrana das nossas relações com os outros.
Mas como se materializa a boa relação humana? Na construção coerente de uma série de regras e na tolerância a algumas falhas antes do castigo. Uma mentira piedosa pode existir. Uma gula pontual é aceitável. Uma incoerência em favor do Sporting pode passar despercebida. A perfeição não é uma característica do tecido social humano. Termos de processar muita informação boa e má, pode condicionar problemas no reconhecimento, na integração e na envolvência que damos aos dados que vamos conhecendo. Nesta estrutura de ser receptor de gatilhos e integrador de memórias evitamos sofrer com algumas alterações aos princípios.
Não vamos guardar todas as memórias dos falhanços, das frustrações. Podemos esconder nalguma fantasia os maus momentos, podemos confabular evitando a Vergonha. Esta vergonha indicia alguma culpa, pode significar insegurança. Pode estar associada a ciúme. Visualizar as pessoas como uma unidade integrada de células “gente” que combinam um tecido final sereno seria o objecto de estudo de quem pretendesse entender porque nos desentendemos. O Desejo, é a maior fonte de rupturas. Está associado com querer, com poder, com sexo, com consumo. Não podemos educar para uma vida comum melhor se não percebermos que como dizia Buda o mistério do sofrimento está no desejo e se este diminuísse muito sofrimento desaparecia. O Desejo pode ser outra “invirtude” ou desvirtude que acarreta doença social.
O que deveria mudar em Portugal para termos um bom crescimento, uma boa evolução e um lugar melhor para se viver? Mais coerência, melhor estruturação, forte planificação e alargamento transversal coerente de propostas. Precisávamos de muita verdade sobre os dados e os factos que estão sobre a mesa. Carecemos de coragem para fazer transformações difíceis. Não podemos ter a preguiça de manter parada esta realidade que nos conduz a sucessivos e repetitivos erros. Devíamos modelar as Leis, criando menos diarreia legislativa, mais clara para ser melhor interpretada e conduzida por fortes lideranças.
As melhores pessoas e nunca as ajudadas, as construídas por discursos de aparelho ou de facção, devem chegar por concursos limpos às chefias das instituições. As Instituições públicas devem ser em menor número também. As funções do Estado se forem parcimoniosas permitem uma sociedade mais livre, mais competitiva e menos onerosa.

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