Opinião – A barragem dos direitos

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José Manuel Pureza

Vassili, trabalhador moldavo imigrante em Portugal, foi despedido. Alegou a empresa que ele tinha faltado 21 dias sucessivos ao trabalho sem justificação. Foram os 21 dias em que Vassili esteve na Moldávia a rever a família ao fim de três anos de distância. Tinha pedido autorização ao encarregado e ao engenheiro para isso e ela tinha-lhe sido dada. Tinha preenchido o mapa de férias mas não guardou cópia. Na caixa de correio recebeu a notificação de despedimento “com justa causa”.
Vassili aconselhou-se e teve sorte – um advogado indignou-se e ajudou-o. Mas quando se tratou de interpor o processo de impugnação do despedimento, foi informado de que as custas judiciais começavam em 600 euros e podiam chegar ao dobro. E se, no fim, por dificuldade de prova, perdesse o processo, teria que pagar tudo. O patrão, com uma dívida de 20.000 euros para com Vassili, veio propor-lhe um acordo por 1.000 euros. Vassili não hesitou: aceitou os 1.000 euros porque a incerteza e o risco de ter que pagar mais de 1.000 euros de custas foram demais. Vassili tinha a razão e o direito do seu lado, mas o preço a pagar para os conseguir fazer vingar fê-lo desistir.
O valor das custas judiciais é um obstáculo de primeira grandeza à efetividade de muitos direitos. Em ações que decorram de acidentes de trabalho ou doenças profissionais, em providências cautelares para admissão provisória em concurso, na oposição a ações de execução de dívidas a operadores de telecomunicações, numa ação de fixação das responsabilidades parentais ou num recurso de aplicação de medida de coação a um preso preventivo a urgência, a extrema necessidade e a fragilidade da posição dos/as autores/as das ações judiciais esbarram invariavelmente nessa barreira impiedosa que são as custas dos processos.
Numa sociedade com uma tão grande mancha de pobreza, com desigualdades tão marcadas, o acesso real ao Direito e aos tribunais tem que fazer parte da agenda da luta diária pelos direitos humanos para todos/as. Porque se é verdade que as custas judiciais têm um valor geral demasiadamente alto, é ainda mais verdade que o impacto dissuasor ou mesmo impeditivo desse valor sobre a efetividade dos direitos de cada um/a se faz sentir de forma obviamente mais agravada sobre as pessoas e famílias de baixos rendimentos. Por isso, o apoio judiciário e a redução das custas têm que estar na primeira linha de um combate cívico e político pelo cumprimento da Constituição.
É pois em nome de uma democracia em que todos/as tenham realmente (!) direitos iguais que urge dar passos concretos para uma significativa e justa redução das custas judiciais.

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