Opinião: A arte de bem gerir a coisa pública

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Joaquim Amândio Santos

A Câmara Municipal de Santarém anunciou que terminou o ano de 2016 com um saldo positivo de 6,3 milhões de euros, cerca de um milhão e meio mais do que em 2015, ano em que o mesmo saldo foi de quase 4,7 milhões de euros.

Contas redondas, por vezes chamadas de merceeiro (e que saudades que temos das mercearias à antiga…), em dois anos, o município escalabitano reuniu 11 milhões de euros de saldo positivo, consolidando de forma substancial as suas contas.

Ora, ao passarmos por Santarém, não ouvimos sinos a rebate, barricadas populares ou manifestações de repúdio raivoso pela política autárquica, mais parecendo que a população está agradada com a prestação desta gestão santarena, liderada por Ricardo Gonçalves.

Não o conheço. Nunca lá vivi. Nunca exerci funções por aquelas bandas e, por isso mesmo, sinto-me cristalino no aplauso que aqui deposito a esta arte de bem governar.

Mas mais do que este caso particular, realço que o mesmo é um simples exemplo igual, felizmente, a muitos outros, do que tem sido a imensa capacidade de gestão e intervenção política local de muitas autarquias e autarcas que lideram câmaras municipais e juntas de freguesia, um pouco por todo o país.

Aliás, atrevo-me a dizer que se não fosse a crescente outorga de poderes dos municípios sobre muitas das áreas de intervenção pública, desde a educação à gestão de estradas e equipamentos públicos, água e saneamento, passando pela proteção civil e pelo apoio social, a equidade e justiça social alcançada, que, não é perfeita, mas seria, na inexistência desta conquista local, muito mais míngua.

Também tem sido pela ação das autarquias que a dicotomia entre o litoral e o interior ou entre o sorvedoiro centralista de Lisboa e o território restante tem sido mais atenuada e evitado o estertor final da cada vez mais depauperada e moribunda zona raiana lusitana, salvo cada vez mais raras exceções de cidades interiores que apresentam bons índices de desenvolvimento (vide Viseu, a título de exemplo).

Veja-se o que o Porto tem feito na promoção da cidade e na gestão do crescente fluxo de turistas, revolucionando a economia, o emprego e a imagem da Invicta, sem a tornar inacessível à sua população indígena.

Lembro, com orgulho de quem lá nasceu, o finca pé que o Município de Penafiel fez, não entregando a gestão da água e saneamento do concelho a privados, criando uma empresa pública que, com mais ou menos sobressaltos, mantém bens essenciais longe de interesses pouco dados ao serviço público.

Voltando ao Portugal esquecido, sigo pessoalmente o esforço que é feito em pleno planalto beirão, por Mêda, onde o município é um fator fulcral para a empregabilidade e bem estar dos seus cidadãos, gerindo os seus parcos recursos orçamentais para promover as potencialidades, mantendo equipamentos e vias de comunicação sempre com qualidade que envergonha outras terras teoricamente mais cravejadas de recursos.

E, pesquisando, teremos certamente, muitos mais exemplos do que autarcas, autarquias e populações têm conseguido fazer de bom para o desenvolvimento de Portugal.

Não escondo nem desvalorizo a existência de muito caciquismo primário na insustentável e patética essência de ser e atuar de muitos autarcas, erguendo carreiras na liderança dos municípios que deixam envergonhados os despóticos senhores feudais de outras eras.

Do quero, posso, mando, nomeio e negoceio sem pudor, mandando às malvas as suspeições de nepotismo e de corrupção e os princípios básicos da lei e da ética pública, ao corrupio de festas e festarolas, campanhas eleitorais sem qualquer discussão programática, que não seja o rol de artistas, pataniscas, bifanas, beijos, abraços e apalpões nas multidões ululantes que povoam os comícios, temos tido, ao longo destas décadas democráticas, exemplos vivos da distorção sem escrúpulos do que deverá ser a prestação de serviço público, no exercício de cargos políticos municipais.

Mas essas tristes evidências, ressalvam ainda mais a importância de exemplos como o de Santarém. Quando a competência é colocada ao serviço da democracia, esta realmente cumpre os desígnios que estiveram na base da sua implementação.

Mário Soares partiu. Com ele, ultrapassaram a fronteira para a posteridade Guilherme Pinto e Daniel Serrão.
Num país já tão pobre na sua qualidade de liderança e de intelecto, estes são três golpes do destino, tão cruéis quanto profundos.

Não havendo insubstituíveis, existem personalidades inconfundíveis e únicas. Os 3 assim eram. Que descansem em Paz.

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