Texto de Inês Tafula
Cada ruga, cada traço da sua personalidade é símbolo de 63 anos bem vividos. 63 anos de voz revolucionária, 63 anos de um homem que nasceu com uma estrelinha. Um sui generis que tanta importância teve para a criação e libertação da rádio em Portugal. No seu percurso foi também jornalista do Comércio do Porto, do Jornal de Coimbra, do Jornal de Coimbra e do Jogo.
Um pirata radiofónico que parece ter sido esquecido mas que continua a ser uma referência, uma voz a ter em consideração. Este é Américo José Sarmento de Mascarenhas Figueiredo, um conimbricense que muitas vezes se sente estrangeiro no seu próprio país.
Aos 17 anos foi para Inglaterra. Ia para um curso de férias mas acabou na ilha do Wight, no festival de rock da ilha do Wight. Aventura esta tão grande que ainda hoje é lembrada como algo marcante. Vinha de Portugal de uma ditadura. Em Portugal, mais precisamente em Coimbra, já andara metido em grupos de rock e movimentos mais underground, chegando mesmo a ter uma banda, os “Statement”, o que antes do 25 de Abril era complicado, embora nisso fosse um privilegiado naquele tempo, pois recebia os discos de música como se estivesse em Inglaterra.
Decidiu escapulir-se para fora do país porque não conseguia viver na ditadura. A ditadura era para o ainda moço uma coisa irrespirável. Por isso, foi estudar para França e seguidamente para Inglaterra, que eram os países que conhecia como a palma das suas mãos. Em Inglaterra estudou e trabalhou como disc-jockey em algumas produções musicais, mas a certo momento decidiu voltar para Paris, cidade pela qual tinha um apreço especial, onde também estudou Língua e Literatura Francesa.
Primariamente a sua ideia era estudar cinema. Aquele bichinho do cinema que o consumia e que nunca se conseguiu libertar do seu coração. O seu amor de sempre que o levou na cidade francesa a escrever um argumento de um filme que nunca chegou a ser feito, que se chamava “ Ce soir à Guernica” (Esta noite em Guernica).
Papel pioneiro na rádio em Portugal
Em 1980 dá-se a reviravolta que iria marcar para sempre o papel importante de Américo, que muitas das vezes não tem visto o seu merecido valor reconhecido nas ondas livres em Portugal. Estava a dar-se o boom das rádios livres pirata em França, quando o futuro radialista se cruza com um português de Coimbra, de seu nome José Luís Carvalho, ligado à “Radio Ibre” parisiense, que era nada mais nada menos que a rádio pioneira e a mais ouvida das rádios livres em Paris.
O convite para trabalhar num projeto tão importante fez com que o conimbricense adquirisse a informação necessária para transpor o mesmo conceito para Portugal, que não tinha nada nesta área. A sua ideia era criar uma rádio livre, fazer o movimento das rádios livres em Portugal crescer, visto que até então só havia uma minúscula rádio alternativa, no Porto, a Rádio Caos, que se ouvia pouco.
“Nós recolhemos os apoios internacionais pedidos e trouxemos um emissor de grande potência. Abrimos as emissões em Lisboa na noite de 24 para 25 de abril de 1983 mas viemos para Coimbra, era a nossa cidade e aqui estávamos mais a vontade. Entramos no circuito das Repúblicas Universitárias”, explica o ex-jornalista. “A rádio tornou-se muito ouvida. Portanto éramos perseguidos. Já em França estávamos habituados ao mesmo, por isso já não era novidade”.
Entretanto o movimento cresceu, começaram a aparecer rádios um pouco por todo o lado. Neste período a rádio era pirata mas era tolerada. Com a legalização à vista e com divergências estéticas radiofónicas, a junção com José Luís termina. Achei que a nossa função – que era liberalizar as ondas, legalizar as rádios todas ou abrir caminho legal para isso – estava feita”, esclarece o radialista. Segundo Américo, europeísta de gema, “não pode haver liberdade e não pode haver democracia sem imprensa livre, e livre não é só um nome ou um título, é preciso que seja praticada livremente”. Uma visão iluminada tão atual
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