Opinião – Refrigerantes e “gorduras” do Estado

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Gil Patrão

Gil Patrão

Não foi a primeira vez que se quis introduzir no país um imposto sobre produtos alimentares com altos teores de gorduras, açúcares e sal. Se, na preparação do Orçamento de Estado para 2017, o governo atual defendeu tal imposto, já o governo anterior não tinha sido o primeiro a equacionar como poderia ser feito, pelo que estamos em presença de rara convergência entre os maiores partidos políticos, sobre um assunto relevante para a melhoria da nossa saúde pública.
As motivações que conduziram diferentes governos a defenderem, em momentos distintos, a introdução deste novo imposto radicarão mais na precisão de aumentar receitas fiscais do que na necessidade de desencorajar o consumo de substâncias prejudicais à saúde, mas a sociedade devia ter levado os políticos a debater profundamente o assunto, para se obterem entendimentos capazes de induzir a mudança social de hábitos de consumo de produtos alimentares nocivos.
Sendo do senso comum que se devem minorar fatores de risco como obesidade e hipertensão, tal imposto segue indicações de saúde pública que levaram a taxar bebidas alcoólicas destiladas, cervejas e tabacos, mesmo que onerar com impostos os preços de tais produtos não faça, só por si, desaparecer vícios e dependências. Mas se este novo imposto tivesse vingado agora, poderia induzir a indústria alimentar, para evitar a diminuição de vendas e lucros, a alterar formulações de refrigerantes, produtos lácteos e muitos outros alimentos que são processados com teores elevados de açúcares, gorduras e sal que, quando consumidos em excesso, afetam a nossa saúde.
Claro que são imensos os produtos alimentares que contêm muitos outros componentes maléficos para a saúde, mas com a necessidade crescente de arrecadar maiores receitas fiscais, vinhos, chouriços, paios e quejandos, entre muitos outros, não escaparão à futura fúria fiscal de governos que estão sempre ávidos de liquidez para pagarem desmedidas despesas do Estado…
O Orçamento de Estado aprovado na generalidade prevê a aplicação deste novo imposto apenas aos refrigerantes! Esta versão minimalista não espanta, face à força de “lobbies” alimentares, mas retira lucidez política à proposta legislativa que será debatida na especialidade, sendo de lamentar que se leve para espúrio combate político matéria que merecia ampla discussão pública para gerar consensos alargados, face aos provados malefícios que excessos de certos componentes e aditivos, presentes em tantos produtos alimentares, têm sobre a saúde humana.
Também as “gorduras do Estado” são maléficas para o bom “estado de saúde das finanças públicas”, mas até hoje a erradicação de tais “gorduras” não reuniu a vontade política dos partidos políticos, nem mobilizou quem tem por missão gerir o país. No entanto, continuando o país em crise económica profunda – apesar de governado por quem prometeu acabar com a austeridade – seria natural, pelos apoios que o Governo tem à esquerda, que já tivesse legislado de modo a diminuir drasticamente tantos excessos de “gordura” que o Estado vem gerando incessantemente ao longo dos últimos 42 anos… Não o fez por comodismo, falta de confiança nos parceiros políticos, para não prejudicar “Boys & Companhia”, ou por insensatez política?
No que é fundamental, este Governo tem vindo a mostrar que não há diferenças substantivas entre políticas oriundas de quem governa pela primeira vez com o apoio de todos os partidos da esquerda e da extrema-esquerda, e políticas de anteriores governos de esquerda e centro-direita. Poderá ser realismo político, mas não deixa de ser o fim de ilusões políticas para parte do povo!

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