Opinião: Alfarrabistas

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Aires Antunes Diniz

Aires Antunes Diniz

Numa qualquer cidade universitária não pode faltar um alfarrabista, para que nele se encontrem os livros, que o tempo apressado dos nossos dias, fez esquecer e desprezar. Mas, como diria Manuel Bento de Sousa, é nos livros velhos que encontramos as novidades, o que faz deles um elemento fundamental de reencontro com a criatividade esquecida. É como o faz Solano d’ Abreu em 1904 a propósito de uma história de amor diz que “A Soledade quis saber o que era o Anda a roda”, logo esclarecendo que “O Anda a roda é um misto de loja de mercearia, café, redação de jornais, retiro de poetas e prosadores.”… “E ao fundo, continuou o Matos, rindo-se da cara de espanto que fazia a Soledade, um cubículo um pouco mais largo com o desafogo de um jardim de dois metros quadrados, metidos em altas paredes esverdeadas que, a custo, deixam ver o céu1” , que associei numa primeira leitura à loja do Ricardo sita no Arco de Almedina. Mas, talvez não seja como ele esclareceu.
Eu acredito que os jovens lembram da sua juventude os lugares toscos em que comeram, pensando-os como lugares de um tempo maravilhoso, e é isso que também faz descrever Solano d’Abreu uma Coimbra, em que havia poetas e prosadores por todo o lado. Fui isso que eu também vivi, mas que o tempo impiedoso fez desaparecer, mas que pela pena apaixonada deste autor caído no esquecimento recordo nesta minha leitura. Na verdade, sabemos aquilo que vivemos e, também, aquilo que lemos ou ouvimos contar ou, até, visualizamos em quadros e fotografias. Assim, percorrer os alfarrabistas é conhecer aquilo que as bibliotecas escondem nos catálogos por vezes pouco elucidativos.
Naturalmente por isso percorrer amiudadas vezes os alfarrabistas é um ato de aprendizagem bem mais enriquecedor do que ver os catálogos das bibliotecas, muitas vezes fechadas por falta de funcionários que guardem e deixem ler as preciosidades que encerram. Também facilita as nossas compras o facto de haver alfarrabistas que vendem a bom preço. Dificulta enormemente as nossas compras os escassos salários e pensões com que pagamos as múltiplas despesas, que somos obrigados a suportar.
Em países, como o Brasil e Espanha, existem felizmente bases de dados que ligando diversos livreiros nos dizem onde existem as preciosidades que precisamos, permitindo compras pelo correio. Infelizmente, em, Portugal, só conhecemos estas possibilidades se recebermos destes livreiros catálogos em papel ou em formato digital.
Não admira que perante o estreitar de horizontes culturais, que a crise financeira potencia, os alfarrabistas se queixem das fracas vendas. Ajuda a isto o facto de a Internet colocar à nossa disposição, quase sem custos, livros em formato digital que julgávamos inacessíveis e que muitas bibliotecas colocam à nossa disposição.
Tudo transforma o nosso mundo num tempo de acesso fácil à cultura, onde só a pressa e a crise financeira, em que mal vivemos, continuadamente nos impede de fruir.

1 Solano d’Abreu – Os amorosos, Tipografia Industrial Portuguesa, Lisboa, 1904, p. 268.

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