Opinião – Pyramiden

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Pedro Mota Curto

Pedro Mota Curto

O rosto de Lenine impressiona. O busto de Lenine, imponente e carismático, não deixa ninguém indiferente. O seu olhar dirigido para a ampla avenida, impera e impõe-se perante as ruas e as casas vazias. Este Lenine de mármore, nostálgico, domina toda a paisagem, pois está estrategicamente colocado no topo da avenida que, do alto desce até ao gélido mar. No meio, um relvado, seco e descuidado, entre vários blocos de apartamentos, com dois ou quatro andares, de ar sólido e resistente, mas vazios, sem ninguém, entregues aos pássaros e à sua linguagem estridente e incompreensível, apesar de frenética. Seres alados que instalaram os seus ninhos naquelas janelas esquecidas e abandonadas.

Tantas janelas e tão simétricas. Arquitetura soviética, sem sombra de dúvida. Quanto a Lenine, lá continua, impávido e sereno. A tudo assiste, imperturbável, mas convicto. Noventa e dois anos após a sua prematura morte. Tantos anos a preparar a revolução e apenas assistiu aos primeiros sete anos, deixando o processo revolucionário em curso entregue a Estaline, nos trinta anos seguintes.

Pyramiden é uma cidade russa em território norueguês, situada no arquipélago de Svalbard (Noruega). Uma antiga cidade mineira que já foi habitada por doze mil pessoas, na sua maioria mineiros ucranianos. São bem visíveis as estruturas das minas de carvão que penetram pelas profundezas negras das encostas daquela montanha ocre, com forma de pirâmide. Tudo abandonado, tudo deserto. A natureza agreste, gelada, a recuperar o que era seu desde há milhões de anos. Em 2016, apenas oito russos vivem nesta cidade, oito guardiães de um império desaparecido.

A grande avenida, as instalações desportivas, o teatro, o cinema, a biblioteca, a central térmica, a quinta, o hotel, o bar, o parque infantil, a escola, os blocos de apartamentos, os relvados, as minas. O visitante sente-se impressionado com tais instalações num local tão inóspito e rodeado por glaciares, fiordes, gelo, neve, ursos polares, temperaturas negativas e três meses, no inverno, de tempestades polares imersas na mais completa escuridão.

O nome da cidade, Pyramiden, deve-se ao formato da montanha vizinha. Há décadas que os russos, com autorização dos noruegueses, ali perfuravam a montanha para retirar o carvão, exportando-o para a antiga União Soviética. Em 1998 e após um período de decadência e de prejuízos crescentes, Pyramiden foi completamente evacuada. O novo capitalismo russo já não conseguia suportar as despesas da antiga União Soviética.

Nem os interesses eram os mesmos, nem o carvão conseguia ser tão rentável como o petróleo que alimentava as indústrias que se modernizavam, também na Rússia. Os doze mil habitantes regressaram à Pátria. Hoje e após um período de completo abandono, oito russos residem nesta cidade situada a apenas 1200 quilómetros do Polo Norte. Procuram ressuscitar a cidade para o turismo, sentindo imenso orgulho por Pyramiden ter sido considerada uma das mais interessantes cidades-fantasma em todo o mundo.

 

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