Opinião: Do uso ao abuso

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Rui Lopes Rodrigues

Rui Lopes Rodrigues

Recentemente vieram ao conhecimento público, que existem empresas que pedem aos estagiários que lhes devolvam parte do que recebem no âmbito dos estágios do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP).

Tais situações vieram a público como se fossem uma novidade, mas esta realidade parece ser antiga. Em causa, estão varias denúncias de jovens que asseguram ter de pagar o que deveria ser responsabilidade do empregador, incluindo a taxa social única.

Na advocacia, por exemplo, existem até empregadores que logo à partida, anunciam aceitar candidato com estágio aprovado no IEFP. Situação comum a todo o país. Quem se candidata sabe à partida que terá de pagar a parte correspondente à entidade empregadora. Tal situação pode levar a que licenciados trabalhem apenas por 200 euros, em vez dos quase 700 euros com que o IEFP financia o estágio.

O IEFP já se apressou a anunciar que está a investigar as denúncias alertando desde logo, que as empresas que tenham obrigado o estagiário a devolver parte da sua remuneração, não poderão beneficiar de novos apoios ou incentivos financeiros. Mas deixa pendente a questão de saber como é que uma instituição pública com as competências do IEFP pode entender que um abuso deste nível, fica sanado com uma proibição de novo benefício.

Num país civilizado, a resposta passaria, no mínimo, por referir que todas as empresas que recorreram a esquemas deste género, terão de devolver o ilicitamente apropriado, terão de ficar inibidas de qualquer novo apoio estatal e terão de responder criminalmente pela prática daquela acção.

Com efeito, este problema poderá ter um alcance muito maior do que o que o IEFP lhe atribui. Poderá estar aqui em causa, uma prática que pode configurar o crime de fraude na obtenção de subsídios públicos, nos termos do art. 36.º da Lei das Infrações Antieconómicas.

Outra questão pertinente, é saber quem responsabilizar, pois quem se candidata ao apoio do IEFP, para além da empresa, é também o candidato a estágio que acaba por praticar factos susceptiveis de constituir prática criminosa, mas quem dela beneficia é de facto a empresa.

Parece um preceito mais penalizador para o estagiário do que para a empresa beneficiada com a sua mão-de-obra e com a sua compensação. O medo de represálias é logo o primeiro fator que leva os estagiários a não denunciarem situações abusivas e entretanto muda-se de estagiário.

Transversal a toda esta situação é o facto de que permanece intocável o problema cultural na actividade empresarial portuguesa e que se concretiza na elaboração das nossas leis. Trata-se da escravatura do seculo XXI, promovida através do abuso e da eterna dependência do estado para a contratação.

A corda rebenta sempre para o lado mais fraco e exige-se aqui uma tomada de posição e uma verdadeira legislação que permita alterar mentalidades.

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