Aqui, onde agora me encontro junto ao Mar Egeu, faz-se história da Europa e do Mundo. Uma história de sentido tão misterioso quanto perigoso. Na Turquia a ferro e fogo, perante uma Europa de directórios que negoceia vergonhosamente refugiados como se de gado se tratasse e fecha os olhos aos desmandos de um membro da Nato, comemoram-se 93 anos da assinatura do Tratado de Lausanne. A 24 de Julho de 1923, o Reino Unido, a França, a Itália, o Japão, a Grécia, a Roménia e o Reino dos Servos, Croatas e Eslovenos assinaram com a Turquia o tratado que reconheceu a legitimidade do regime de Mustafa Kemal Atatürk e definiu as fronteiras da Turquia moderna. Esta renunciou às antigas províncias árabes, à ilha de Chipre (que passou para os britânicos) e ao Dodecaneso (ocupado pelos italianos). A Turquia passou a limitar-se à Anatólia (ocidental e oriental) e à Trácia Oriental. Nesse ano de 1923, Atatürk erigia a moderna Turquia assente no secularismo.
A 15 de Julho de 2016, o mundo assiste a uma tentativa de golpe de Estado na Turquia. Recp Tayip Erdogan, o presidente turco, e o seu partido têm percorrido o caminho da islamização e de conivência com o próprio terrorismo do Estado Islâmico. A tentativa de golpe de 15 de Julho não foi um confronto entre ideologias diferentes, envolveu pelo menos duas ou mais facções com identidades e ideologias de classe idênticas. Por detrás do golpe, há uma luta pelo poder entre apoiantes de Erdogan e o movimento de Gulen.
A maioria dos oficiais que participaram na tentativa de golpe é “gulenista”, movimento com ligações com os Estados Unidos. Teria havido o golpe, num dos mais fortes membros da NATO, sem o conhecimento ou talvez mesmo a aprovação dos Estados Unidos?
Os protestos populares de 2013 com a participação de milhões de turcos, o dano nos interesses do sistema devido à tensão criada por Erdogan em largos sectores da sociedade e o fiasco total da política síria afectaram profundamente as relações entre Erdogan e alguns países ocidentais.
Erdogan serviu até hoje os interesses dos Estados Unidos e da União Europeia. Agora que perdeu favores entre as forças que o apoiaram durante anos, manobra para criar novas alianças num esforço para se salvar.
Erdogan conseguiu uma oportunidade de infligir um golpe pesado à facção de Gulen, conseguiu a oportunidade de se fazer de vítima mais uma vez, consolidou a sua base e testou o poder de algumas organizações sob o seu controle. Mas, acabou por ter o aparelho de estado seriamente danificado. Erdogan está a encetar uma purga não só dos elementos “gulenistas” como também de “Kemalistas” (do partido criado por Atatürk) e manter-se apenas com os seus apoiantes. Erdogan é agora invencível? Nem o AKP nem Erdogan são tão fortes como afirmam. Recorde-se 2013.
Os golpistas não tiveram limites para a crueldade. Depois, vê-se a reacção bárbara do governo. Um número desconhecido de civis e militares linchados. Milhares de expulsões do aparelho administrativo, da justiça e do ensino. Reina o medo e a confusão na Turquia.
Aqui onde me encontro, recordo o grande poeta turco, Nazim Hikmet, em “Poemas a Piraye – 25 de Setembro de 1945”, “São 21 horas./Tocou o sino na praça,/as portas das celas estão quase fechando./Desta vez a /prisão durou um pouco mais: oito anos…/Viver é um negócio cheio de esperança, meu amor,/ viver é um negócio sério, assim como é amar-te…”