Opinião – O que fica por contar

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Bruno Paixão

Bruno Paixão

Jogámos bem? Não. Mas vencemos o europeu. E isso é que fica para a história. Provavelmente, se tivéssemos tido um futebol de êxtase e deslumbrante, estaríamos hoje a ver as cores da bandeira de outro país nos escaparates do mundo.

Não fiquei absorvido pela euforia do jogo, mas arrebatado pelo orgulho da nação. Neste europeu, que é nosso, houve linhas tortas para que se pudesse escrever direito. Fernando Santos profetizou-o.

Com futebol morno fomos enganando adversários. Ronaldo, que é o maior, desta vez não foi o melhor. E criou-se até espaço na história para a entrada de um herói improvável. Éder, que começou a jogar no Adémia, encontrou o buraco na agulha do nosso acesso ao título.

Entrámos frouxos, pouco espevitados, meio adormecidos. A tática era de fé e entrega. Bem sei que no campo havia 11 contra 11. Mas os franceses estavam por todo o lado…

Fomos apertados por eles, pressionados, às vezes sorvidos, noutros momentos engolidos pelo tufão azul que fazia circular o esférico como se nada existisse à sua frente.

Mas ali estávamos nós em potência, mostrando que a vitória da alma suada é superior ao barulho improfícuo das claques e dos cronistas franceses. Fomos bloqueando os outros e destruindo as suas aspirações, jogo após jogo. Fernando Santos mostrou como se soma mesmo sem se jogar bem.

A final em Paris estava desenhada para os franceses. Eles entraram com tudo. Pressionaram, obrigaram-nos a errar. Pepe, imperial, que quase sempre nos salvou, escorregou uma vez.

Mas Patrício voou. Patrício abriu as asas e voou. Patrício, aquele que sempre que joga com os pés põe meia paróquia com o credo na boca, nesta final esteve exímio até no passe.

Depois de terem lesionado o nosso bota-de-ouro, Fernando Santos sentiu ser aquela a oportunidade de ter uma equipa balançada sem a sua estrela ofuscante. A seleção nacional vagueou, encaixou-se e foi ficando mais organizada, com as linhas mais coesas. Resistiu e superou-se com zelo, força e coragem.

Sem Ronaldo, Portugal começou à procura de outras referências. Renato Sanches, o menino das tranças, conseguiu ter duas ou três arrancadas. Mas os franceses estavam preparados para o travar. O menino-sensação acabou por sair sem aqueles seus habituais rasgos. Deu lugar a Éder. Passámos a jogar em 4-3-3. Nani e Quaresma investiram na construção do jogo ofensivo. Éder parece ter entrado para fazer renascer a alma lusa. Agora estávamos a disputar taco-a-taco. Os franceses investiam sobre nós, mas continuávamos a respirar…

Fomos para o prolongamento. Pela terceira vez neste europeu jogámos os 120 minutos. Ninguém fez mais quilómetros que nós. Deixámos o primeiro aviso sério quando Raphael Guerreiro levou a bola à trave num livre à entrada da área. Respeitinho, que ainda cá estamos! Passados dois minutos, Éder, ou melhor, Éderzito António Macedo Lopes (o miúdo guineense que comia costeletas quando marcava pelo Adémia), aos 108 minutos, recebe a bola, dá uns passos com ela apertada nos pés, resiste a um puxão.

O tempo começa a rodar em câmara lenta só para ter o vislumbre prolongado daquele remate de fora da área, como se não houvesse amanhã. A bola saiu a arder, caprichosa, como um meteorito, bateu duas vezes na relva antes de afrontar o guarda-redes francês, que bem se esticou mas só a viu já ao fundo da baliza.

Eis o golo que tornou Portugal campeão da Europa. Ronaldo e Fernando Santos festejaram emocionados. Dias antes, o ex-futebolista alemão Lothar Matthäus havia deixado uma das muitas desdenhosas recomendações a Ronaldo: “não chores, sê valente”. Mas torceu-se o destino. Ronaldo chorou e foi valente. O resto do tempo foi a olhar para o relógio.

Quando se é campeão pela primeira vez, o êxtase ofusca quase tudo o resto, relegando os outros assuntos para o lote das coisas insignificantes, para o mais fundo fundo de um rodapé de página par da imprensa. Hoje convém lembrar que nos estádios franceses não houve atentados.

A Torre Eiffel não se coloriu de vermelho e verde e as suas luzes murcharam com o calor da nossa presença. Por cá, o Presidente Marcelo, que desta vez não viajou de Falcon, atribuiu a comenda aos vencedores. Ederzão vale mais que Durãozito, o tal que caminha sempre sobre um limbo ético com poucos conflitos e muitos interesses. As sanções europeias ao nosso défice estrutural hão-de ser vencidas no prolongamento.

Se jogámos bem? Não. Mas vencemos o europeu. E isso é que fica para a história.

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