Opinião – Jazz, República, Democracia

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Hélder Bruno Martins

Hélder Bruno Martins

Renunciei ao mandato autárquico a partir de ontem. Regresso à minha atividade, enquanto doutorando e investigador do Instituto de Etnomusicologia – pólo da Universidade de Aveiro.

Retomo também uma atividade mais operativa e que estava adormecida há já muitos anos: a composição e a performação (ao piano e na direcção musical). Estive, praticamente, durante 7 anos como vereador (Educação, Juventude, Cultura, Ciência e Património, Turismo) na Lousã.

Lendo o contexto atual, analisando o momento e o novo ciclo que se inicia, entendo que é tempo de me retirar. É assim que defendo a participação cívico-política: temporária, limitada, rotativa. Curiosamente comemorou-se a 30 de abril o Dia Internacional do Jazz (DIJ).

Estabelecido em 2012 pela UNESCO, o DIJ vem reconhecer o importante papel social, cultural, político, económico da música Jazz. A Diretora Geral da UNESCO, Irina Bokova, na primeira celebração do DIJ, disse: “Ao longo da sua história, o Jazz tem sido uma força de mudança social positiva (…) Esta música, cujas raízes remontam à escravidão, é uma expressão apaixonada contra todas as formas de opressão (…) fala a linguagem da liberdade que é compreendida por todas as culturas”.

O Jazz emerge da idiossincrasia cultural entre as matrizes europeias e africanas. Funde os seus universos sónicos e estético-musicais, sintetiza-os e surge, assim, como uma nova música. Foi fonte de afirmação e superação (social, cultural, política e económica) dos africano-americanos, inicialmente, mas depois de toda a indústria da música, do cinema, da rádio, do entretenimento. Na década de 20 (do séc. XX) chegou a todo o mundo.

Em Portugal, mesmo no mundo rural (nesse tempo, Lisboa não era muito mais cosmopolita do que o resto do país…) surgem os míticos “Jazzes”. Em 1923, António Ferro apresenta um conjunto de conferências no Brasil que designou “A Idade do Jazz-band” ( 2 .º edição publicada pela Portugália em 1924 ). O Jazz marcou mesmo uma época. E os EUA e a sua célere hegemonia muito devem a esta música: um canal de exportação e de comunicação tão poderoso.

O Jazz é a pragmatização da República e da Democracia: um quinteto de jazz de referência, por exemplo, pragmatiza um estádio de desenvolvimento social e individual que nos possibilita compreender as exigências, por um lado, da vida em democracia, mas também, por outro lado, a possibilidade da sua concretização. O Jazz tem regras: um estilo de Jazz ou um tema específico tem uma “Constituição”, um conjunto de normas, que devem ser conhecidas e respeitadas por todos os músicos (“cidadãos”).

Dominadas essas regras, é-lhes permitido afirmarem a sua individualidade/personalidade (sendo-lhes exigido o respeito pelas regras e a liberdade do outro). É verdadeiramente meritocrático e não há possibilidade de manipulação (subliminar, contra-informação, suborno ou corrupção): ou sabe ou não sabe, ou toca ou não toca.

A improvisação (o espaço dedicado à afirmação individual de cada músico) tem regras e a liberdade é devidamente enquadrada por limites sociais e culturais verdadeiramente salutares. Há um entendimento claro acerca da importância da performance individual (da cidadania e da sua participação cívica) em prol da construção do colectivo, quer como suporte (intervenção/apoio social), quer como atitude empreendedora. E tudo isto é fundamental para a efectiva concretização da República e da Democracia.

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