Uma e outra vez as imagens mostraram a sala cheia de fumo, uma criança a gritar na opacidade, gente deitada, braços de adultos a proteger crianças.
Adiante, duas mulheres com o rosto ensanguentado, nem choros nem gritos, o próprio espanto, apenas, por estarem vivas.
Mais longe da nossa memória, cidades destruídas na Síria toda, os corpos espalhados pelo chão do mercado de Bagdad, bandidos armados em carrinhas de caixa aberta, impunes, nas ruas de Tripoli.
E mais perto das nossas casas, nos caminhos da Europa dos Bancos, as colunas de fugidos ao fogo das “primaveras árabes” – homens, mulheres e crianças sem refúgio, sobreviventes das guerras metodicamente plantadas no chão das suas casas, a quem mataram a família, os amigos, os conterrâneos.
Um entrevistado numa rua de Bruxelas, daqueles que servem para encher o tempo televisivo com palavras de circunstância, dizia “podia ter sido eu, que ainda ontem lá passei”. Podia, mas não foi, feliz acaso numa infeliz reflexão, como quem avalia a ignomínia das bombas pelo sítio onde rebentam. Talvez por isso, à “comunidade internacional” pouco importaram as bombas que iluminaram de mortos os céus de Bagdad, abençoadas por Bush, Aznar, Blair e Durão Barroso.
Era longe. E poucos se importaram com a ordem de massacre do povo líbio levada a cabo pela NATO, apoiada pela UE de Durão Barroso e demais paladinos de uma estranha liberdade para quem o direito à vida em paz não é um direito humano. Era longe, também, mesmo que o gatilho fosse apertado aqui perto.
Há-de haver quem se desoriente nesta guerra de tantas vítimas – entre o cá e o lá (mais numerosas, as de lá) – afogado nas séries televisivas norte-americanas em que só o “mau” se exprime em árabe, confundido com as notícias, os comentários, os documentários que fazem ligação direta entre o terrorismo e o “mundo árabe”. Mas mal.
Como bem disse o deputado Miguel Tiago (e tanto que o atacaram por esta verdade dita) numa rede social, “tal como a pobreza, a fome, o desemprego, os baixos salários, a criminalidade, a guerra, a degradação cultural, artística, social e ambiental, também o terrorismo é resultado da ação dos NOSSOS governos”, que é como quem diz do favorecimento da exclusão, da precariedade, da arrumação nas Molenbeekes onde nasce e se desenvolve uma revolta insana que se faz explodir nas ruas desta Europa.
Claro que hão-de vir os Nunos Melos, do insulto à inteligência, com as suas polícias todas, as fronteiras todas, as Estrelas de David na forma das pulseiras de Cardiff, a Europa dividida entre os herdeiros dos bons e os herdeiros dos maus, como na Alemanha dos incendiários.
Nestes dias que passaram discutiu-se no Parlamento a precariedade laboral, um traço persistente das crises das “economias de mercado”, máquinas de forjar muito-ricos e de produzir muito (e muitos) pobres, arma letal que mata a golpes de baixos salários, degradação das condições de trabalho, contratos a termo, recibos verdes, falsa prestação de serviços, bolsas de investigação, estágios profissionais e trabalho temporário sem regras.
Parece que não tem nada a ver – o terrorismo e a dignidade laboral – mas é (também) aqui que reside a solução para acabar com as bombas.
É que o terrorismo, tal como o lixo, foge sempre dos lugares de asseio.