Li recentemente mais um artigo a proclamar o fim do jornal impresso em papel.
A crise económica, conjugada com a revolução digital, veio agravar a perceção do problema. As receitas continuam a diminuir, os despedimentos sucedem-se, a publicidade escasseia, adotou-se a fusão de redações – o que veio despertar fundadas dúvidas sobre a independência e a capacidade de produzir notícias e análises livres das mordaças impostas pelo dinheiro.
A consultora norte-americana de estratégias de media Future Exploration Network elaborou uma linha do tempo e cruzou diversos fatores para vaticinar o termo dos jornais impressos em todo o mundo.
Em Portugal, o último reduto do papel acontecerá, segundo a sua previsão, em 2028. Com a diminuição da produção, o preço unitário forçosamente aumentará. Assim, os custos de impressão aparecerão como fator principal da morte anunciada do papel impresso e dos hábitos de leitura dos consumidores deste formato. Acrescem outros sintomas, como as mudanças na publicidade, a performance dos smartphones e dos tablets, a atualização e a modernização dos motores de busca…
As novas gerações passaram a procurar informação nas redes sociais e, hoje, mais que nunca, a mensuração do valor da informação tem em conta o circuito das notícias, ou seja, o que ela percorre desde que é disponibilizada ao público até à partilha massiva nas redes sociais, aos comentários que gera e à importância da intensidade mediática das matérias.
É claro que este novo processo determina que todos olhemos para os media de uma forma diferente. Desde logo, os géneros jornalísticos têm-se esvaído, a opinião e os factos muitas vezes ficam indistintos, a informação é hoje mais curta e a sua narrativa é feita para ser lida num telemóvel…
Hoje, a procura de informação acontece várias vezes ao dia e em horários muito diferenciados. Tanto pode ocorrer às seis da manhã como às duas da tarde ou à meia-noite. O online já não se compadece com o espartilho da tiragem exclusivamente matutina uma vez ao dia. O mesmo é dizer que o papel não comporta atualizações de conteúdos. O que lhe resta, então?
A profundidade dos temas, a escavação profunda, e a exclusividade dos conteúdos, assegurando que estes não se disseminam levianamente pela correnteza tecnológica de bits e algoritmos. Resta também a escolha da opinião interessante que acrescenta valor e que vale a pena ler.
O futuro dos jornais depende muito do seu bom jornalismo. Se um jornalista não fizer melhor do que um post no Facebook, a ruína chegará mais cedo do que se espera. Se não oferecer rigor, independência, ética, aprofundamento investigativo, verificação da informação, ou se não combater o sensacionalismo gratuito, dificilmente sobreviverá.
Num futuro próximo que conseguimos sentir, por tão rente que se apresenta, muitos jornais desaparecerão de vez, outros manter-se-ão em versão digital, apenas com edição impressa de fim-de-semana. Isto já está a acontecer! Ainda há pouco, Evgeny Lebedev, proprietário dos jornais britânicos The Independent e The Independent on Sunday, anunciou que estes vão deixar de ser publicados em papel no final do próximo mês, tendo em vista um posicionamento exclusivo no digital.
Tudo isto seria mais facilmente entendível à luz dos mercados capitalistas se não estivéssemos a falar de produtos sensíveis, como os factos e os acontecimentos do quotidiano das sociedades. Não se trata de champôs, conservas, telefones ou camisolas. Trata-se do mundo da informação, sem o qual viveríamos arcaicamente alheados.
Não imagino uma democracia plena e livre sem um jornalismo completo e independente. Por isso defendo a intervenção do Estado no incentivo à estabilidade regrada da comunicação social.
Como Umberto Eco, tenho dificuldade em prescindir do manuseio do papel, embora leia os jornais no smartphone ainda antes do pequeno-almoço. No futuro, creio, o jornal impresso será um objeto de culto, um artefacto usado por uma esfera restrita. Uma espécie de leitura gourmet.