Opinião – Há almoços grátis, sim senhor!

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Francisco Queirós

Francisco Queirós

“Queres um estagiário à experiência e completamente à borla? Nós damos!”

Não há almoços grátis! – afirmam com convicção e êxtase os defensores do capitalismo. Ou andam distraídos ou querem distrair os outros. Há almoços muito caros. Os que alimentam os pobres. Seja à mesa, seja o que a maioria da população paga por bens essenciais.

A água, a electricidade, o gás, a renda ou a prestação da casa ou do carro, os estudos dos filhos, os livros escolares, e tantas e tantas mais despesas são caras para quem é pobre. Esses são “almoços” caros, mesmo para quem vivendo do seu trabalho é pobre ou auferindo rendimentos médios ou ainda mesmo acima da média se esmifra para pagar o que minimamente lhe pode conferir alguma dignidade na vida.

Mas há ainda quem viva de almoços a preço de uva mijona. Quem viva do suor dos outros. Dos que trabalham sem quaisquer direitos, na maior precariedade. Para vencer as margens de lucro, o capitalismo tem de apostar em salários cada vez mais baixos. Para esses patrões, os “almoços” são baratinhos. Pois é!

Em pleno século XXI, na moderna Europa, em nome de uma religião capitalista, do deus empreendedor, de todos os santos em modo “self made man” e em outros pechisbeques ideológicos e artigos morais contrafeitos à luz de éticas de pacotilha há quem, sem pudor ou disfarce, se revele um esclavagista. Moderno ou modernaço, europeu, em linha com os mercados! De facto, como os mercados!

A “Work4u” é assim! Ou já era. Mas quantas mais não serão assim?! Depois das primeiras diligências da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), a empresa encerrou. Há fortes indícios de fraude e o caso seguiu para o Ministério Público. A “marca” com um nome apelativo no idioma dos negócios é apenas uma fachada de um negócio maior envolvendo cursos duvidosos.

A “Work4u – Gestão de Carreiras” oferecia estagiários à experiência durante dois dias, como intermediária entre empresas e estagiários, completamente sem custos! Modernidade absoluta. Os servos e escravos em séculos e séculos de história tinham custos. Mínimos. Residuais. Uns quantos alimentos mínimos, uma enxerga, água, por vezes uns trapos. Velharias da história.

Escravo moderno é grátis! Às damas e aos cavalheiros! “Queres um moço de recados, leva à experiência! Queres um engenheiro ou arquitecto – experimenta, sem custos! Vivam os mercados!”

Para que conste: a “Work4u” pertence ao empresário Jorge Abel dos Santos, proprietário das empresas Lontra – Agência de Marketing e Publicidade para Formação e EFIB – Escola de Formação Ibérica e ainda da Associação Portuguesa de Medicina Tradicional Dragão Dourado. Soa tão bem!

Há muitos outros indícios de crime denunciados por ex-trabalhadores. Trabalho em troca de um curso. Aprendizes modernos em regime de corporações medievais.

“Havia estagiários para tudo, desde a secretária até as limpezas”, denuncia à imprensa uma vítima. O tráfico de mão-de-obra, o neo-esclavagismo que cresce com a cobertura de um quadro legal permissivo e indutor da precariedade, totalmente à margem da Constituição da República, tem de ser travado! Deputados do PCP na Assembleia da República exigiram já respostas e intervenção imediatas do governo. Infelizmente, empresas como esta há-as aos montes!

Há almoços grátis, pois claro que sim! Há mesmo quem, no século XXI, seja intimado a pagar para fazer os almoços e encher a barriga aos modernos senhores de engenhos.

A precariedade laboral pode ser total ou aparentemente mais suave, mas é sempre um grave atentado aos direitos humanos. Uma violação de direitos essenciais.

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