O PCP, pela voz do seu secretário-geral Jerónimo de Sousa, disse que o partido que representa até podia ter arranjado como candidata uma mulher engraçadinha, mas que não são capazes de mudar.
Coitado do PCP: por um lado, pode vir a ser acusado de discriminação por ter admitido uma preferência em função do sexo, ao estabelecer que uma mulher engraçadinha conseguiria mais votos que o ex-padre Edgar (o que é que essa admissão diz sobre o que o PCP pensa de nós, eleitores?); por outro, admitindo que não conseguem fazer essa escolha, podem ser acusados de não promoverem a discriminação positiva que corrija uma desigualdade de facto, especialmente porque a mulher tem de ser engraçadinha.
Sempre ouvi dizer que os comunistas têm a sua vida entregue à luta social, que dessa forma passa a ser mais uma fracção de um processo colectivo de transformação da sociedade. Em consequência disso, as preferências privadas de cada um afectam essa transformação e todas somadas constituem o chamado colectivo. A gravidade da afirmação de Jerónimo de Sousa assume contornos obscenos na boca de um comunista que acredita que as escolhas privadas reflectem as relações de poder dominantes na sociedade.
A ideia de que a sociedade usa o machismo para historicamente oprimir as mulheres ao serviço da burguesia dominante não é de agora entre os comunistas. Sempre lhes ouvi dizer que manter as mulheres oprimidas é desresponsabilizar o Estado das suas funções e um serviço prestado à divisão das classes trabalhadoras, composta de homens e mulheres.
Penso até que Marx escreveu que o facto de as mulheres e os filhos serem escravos do homem constitui a primeira forma de repartição desigual da propriedade. Por isso, as relações familiares reflectem as relações de poder societárias.
Para se ser um verdadeiro comunista, segundo sei, há que andar na luta e gritar contra a opressão na rua, mas sem se fazer valer de privilégios dentro de casa. Mas Jerónimo de Sousa foi mais longe, ao dizer o que disse. Foi uma expressão que desconsiderou as mulheres, que as olhou como seres sem vontade própria (pelo menos as engraçadinhas), um objecto ao serviço dos homens do PCP. No fundo, ele agiu como um opressor, e isso significa fortalecer o domínio dos opressores.