Viajava eu debaixo de forte intempérie, desde a douta e sapiente Coimbra até à bela e barroca urbe do Porto e os quilómetros foram galgados tendo como companhia o Fórum TSF que, nessa manhã, apresentava como convidada a candidata presidencial Maria de Belém.
A dado momento, a figura de proa do PS puxou pelos galões da intitulada ética republicana, jurando fidelidade total à mesma, o que, nas palavras e convicções de Maria de Belém, garantem completamente a idoneidade dos atos de quem a pratica.
Não esqueço os inúmeros cidadãos e cidadãs que, com toda a seriedade e competência, desempenham lugares públicos de relevo. E até dou por desejável e provável que a reputada socialista esteja entre eles.
Mas, voltando à referida ética republicana, a “arma atómica” da seriedade dos políticos desta nossa 2ª República foi utilizada no contexto de uma pergunta à candidata sobre os tempos em que a mesma, enquanto deputada, presidiu à Comissão de Saúde, sem ter deixado de prestar serviços ao Grupo Espírito Santo, na altura “dono de muito disto tudo” na mesma área fulcral de negócio. Entre outras áreas, pois claro.
Nas suas considerações indignadas com aquilo que rotulou de insinuações maldosas de quebra de ética, Maria de Belém fez o que, nestes últimos quarenta anos de frágil democracia, temos visto inúmeros protagonistas da cena política local, regional ou nacional fazerem, da esquerda à direita, sem qualquer pudor ou engulho.
Aliás, se nos dermos ao trabalho de consultar livros de história, verificaremos que, já na primeira vez que o regime republicano tomou conta dos destinos desta nação, proporcionou aos historiadores farta matéria para escreverem inúmeras páginas sobre os dislates, abusos, crimes e afins que, de 1910 a 1926, serviram de vivência ácida ao curso histórico da Pátria.
Entre a revolução republicana de 5 de outubro de 1910 e o golpe de 28 de maio de 1926, o regime de então ofereceu aos portugueses lutas entre o poder político e a igreja católica, assim como, divergências internas entre os mesmos republicanos, maçons e carbonários, com golpes de estado, assassinatos e um descalabro socioeconómico colossal.
Neste período de 16 anos houve sete parlamentos, oito Presidentes da República, 39 governos, 40 chefias de governo, duas presidências do Ministério que não chegaram a tomar posse, dois presidentes do Ministério interinos, uma junta constitucional, uma junta revolucionária e um ministério investido na totalidade do poder executivo. Foi pródiga em convulsões sociais e crimes públicos e políticos e incluiu mesmo a participação insana na 1ª Guerra Mundial.
Um regabofe de farto equilíbrio e plena serenidade, pois então e que descambou em quarenta anos de ditadura. Perfeito.
Se é verdade que, com a trágica exceção do período pós 25 de Abril, ainda não desatamos aos tiros uns aos outros, ou a brincar aos golpes de estado, com a exceção do que se preparava a 25 de Novembro de 1975, esta segunda tentativa republicana já tem o seu quinhão de responsabilidade na delapidação do país, dos seus recursos, diria mesmo, da sua alma e da sua decência.
Alguma vez esqueceremos a “ética republicana” de um estado que, mais do que o mau pagador que é, ostenta justificado título de voraz e cruel cobrador fiscal e judicial das dívidas daqueles que poucos recursos têm para sua defesa, enquanto perdoa dívidas leoninas a figuras públicas, grupos económicos e a todos quantos se mexem altivos nos corredores palacianos do poder?
Será “ética republicana” ver o corrupio, assumido sem qualquer prurido ético, de políticos que se passeiam entre funções legislativas ou de governo e passagens chorudas pelos sectores privados que tutelaram politicamente?
Continuará a ser respeito reverente por essa “ética republicana”, a resolução de bancos, ora por nacionalização, ora por outros caminhos tecnicamente difíceis de entendimento por parte do comum mortal, mas que desembocam sempre no pobre contribuinte a pagar as favas financeiras, enquanto os poderosos passam entre pingos de chuva que lhes sabem a mel divino?
Quem não se lembras dos tempos dourados de “El-Rei” Mário Soares “O Primeiro” e as suas cortes imensas e faustosas que o acompanhavam nos périplos incessantes que fez pelo estrangeiro?
Tinha mais de tiques monárquicos absolutistas do que pose de estado circunspecta e republicana.
À beira dessas “presidências de marajá”, até as viagens do ministro Paulo Portas se deram mais num estilo “Linda De Suza e sua mala de cartão”.
Dizem os livros que a palavra “ética” vem do grego ethos e significa aquilo que pertence ao “bom costume”, “costume superior”, ou “portador de caráter”. Não é, de todo, propriedade de republicanos, monárquicos ou afins.
Acrescentaria que, para os que exercem funções públicas, a palavra “ética” deveria e deverá significar servir o público e não servir-se dele.
Julgo que muitos contam que o povo português seja sempre “manso”. Um dia poderão perceber da maneira mais cruel que, mesmo que o seja, não é, definitivamente, um povo “tanso”.
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