Opinião – A ilusão dos rankings (1)

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António Gomes Ferreira

António Gomes Ferreira

Mais um ano, mais rankings das escolas, mais títulos de jornais tão categóricos quanto enganadores. Impressiona o espaço dado e a ingenuidade ou o oportunismo das análises.

Do assalto rápido aos números emergem verdades enganadoras, desde logo, porque a evidência do número é simplista e não dá conta de uma realidade bem complexa. Mas isso pouco importa se cada vez mais se valoriza o prémio, a posição, a marca, o elitismo por si mesmo.

Não há dúvida que os rankings estão na moda. Num mundo de espetáculo e competição, o que interessa é ser o primeiro, estar no pódio, talvez no top ten. Há rankings para tudo. Para as Universidades, para as cidades, para os países, para as empresas, para os hospitais, para os vinhos, talvez para as mulheres mais bonitas e para os homens mais apreciados pelas mulheres….

Pouco interessa o que isso pode trazer de bom a cada um e se tal tem algum sentido prático para o bem-estar da generalidade das pessoas.

Sendo assim, não há razão para também não existir um ranking das escolas. Mas, se o que interessa é a qualidade da educação, talvez fosse mais interessante um ranking das famílias. Dirão alguns mais esclarecidos que isso não faz sentido, porque não estamos propriamente diante de um ranking de escolas mas de resultados de exames de alunos dessas escolas.

É bem interessante ver como aqui as famílias desaparecem, quando em outras circunstâncias se reclama para a família a importância da educação, das escolhas, do tempo e da qualidade do acompanhamento. E bem significativo é ver que à medida que se avança para as últimas (dezenas) de escolas dos rankings aumenta a proporção delas que acolhem estudantes de ambientes familiares mais desfavoráveis socialmente.

Os rankings em causa são o que são: dados organizados segundo determinados critérios, cujos pressupostos nem sempre são devidamente explicitados. Por exemplo: não há garantias que alunos que não alcançam a nota máxima em exames de uma disciplina não possam vir a ser melhores nessa área do que aqueles que as conseguem obter.

Mas não pretendemos neste despretensioso comentário discutir a fiabilidade dos rankings e tão só chamar a atenção para um ou outro aspeto que, no meu entender, prejudicam a compreensão do desempenho escolar.

Os rankings têm sido muito apropriados como se tratassem de campeonatos. A escola que alcança uma média superior é melhor do que a que fica atrás. Bem sabemos que no desporto profissional a justiça social é descartável e que quem tem mais dinheiro tem muitas mais possibilidades de ficar à frente.

Neste campo, o vencer é o que interessa, o resultado está bem definido e é ele que impera na organização porque é esta que é importante. Num sistema educativo é o desenvolvimento da pessoa e da comunidade que deve orientar a organização escolar. Pouco deverá interessar ao governo do país a desigualdade dos clubes de futebol que disputam os campeonatos nacionais mas ele deveria empenhar-se em implementar uma política que reduzisse a disparidade das aprendizagens, nomeadamente aquelas que estão associadas às condições socioculturais das famílias.

Os resultados dos exames podem constituir interessantes indicadores de aprendizagem mas não devem constituir obsessão a ponto de confundirem a evolução da qualidade da escola, dos alunos e dos professores, por alterações de décimas. Uma escola não é melhor do que a outra só porque apresenta uma média de dois exames ligeiramente superior.

Olhando para o ranking do 9º ano, o Colégio de Nossa Senhora da Paz (Porto) ou o Externato Escravas do Sagrado Coração de Jesus (Porto), que aparecem em primeiro e segundo lugares não são necessariamente melhores que o Colégio Rainha Santa Isabel (Coimbra), que está no décimo segundo. Que dizer então da diferença de qualidade do Colégio de São Teotónio relativamente à da Escola de Música São Teotónio quando esta supera o primeiro por quatro centésimas? Aliás, não faltam colégios situados em ambas as margens do Mondego que se colocam acima ou abaixo dos mencionados por centésimas.

E será que estes são de pior qualidade que o já mencionado Rainha Santa ou o Colégio Bissaya Barreto que tem mais umas cinco décimas de diferença? E, contudo, essas décimas colocam alguns desses colégios separados entre si por largas dezenas de lugares do ranking. Vendo bem, contabilidades destas são pouco interessantes para quem quer realmente compreender o fenómeno educativo e pensar uma política deveras consequente para o desenvolvimento do país.

 

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