Deve o Estado continuar a subsidiar espetáculos e outras manifestações artísticas que não conquistam públicos e servem um número muito restrito de pessoas, perpetuando salas vazias? Este é, e sempre será, um dos temas que mais discussãotem trazido e menos consenso tem gerado. De um lado, há quem defenda que não devemos banir expressões artísticas do mapa de investimento público apenas porque estas não geram bilheteira sustentável. Do outro, há quem se insurja pelo esbanjamento de recursos dos contribuintes em atividades que não criam afluências mínimas, não mobilizam os cidadãos e existem apenas para gáudio de escassas elites e do prazer dos próprios promotores: uma espécie de terapia zen financiada, dizem.
Esta última visão que enunciei, e que creio ser maioritária, expressa uma conceção parasitária dos subsídios. Os agentes culturais tendem a hostilizá-la, a meu ver, erradamente. Isto porque ela abre a porta a uma discussão que interessa debater e tem sido muito invocada por vozes que urge sempre ouvir. O Nobel da Literatura
Mario Vargas Llosa considera que algo anda mal na cultura de um país se os seus artistas, em lugar de se proporem mudar o mundo e revolucionar a vida, se empenham em alcançar proteção e subsídios públicos. Estas palavras, pesadas como chumbo, vieram acordar o meio cultural do seu sonolento consenso e unanimismo. Houve que ainda não tivesse dado por nada, mas seria bom que todos convergissem para o objetivo da democratização da cultura.
Para que o Estado possa participar ativamente nesta discussão, deve munir-se dos mínimos imprescindíveis. Há ações que lhe
cumprem, dando condições de estímulo e de liberdade aos intervenientes culturais. Desde logo, fomentando políticas que possibilitem interação entre o próprio Estado, os mecenas, os municípios e as coletividades artísticas. Não seria difícil imaginar as vantagens de uma estratégia transversal de desenvolvimento em que os municípios, através das suas salas de artes, pudessem envolver mecenas culturais, ou desafiar os grandes grupos presentes no seu território, como bancos, seguradoras, fundações, etc., a trazer temporariamente o seu espólio para as salas locais, fazendo circular tendênciase movimentos artísticos, trazendo espetáculos que habitualmente se confinam apenas a salas da capital, potenciando assim hábitos culturais na sociedade e oferecendo a colheita dessa vantagem aos promotores culturais. Começando hoje, só daqui a várias gerações
teremos um País mais culto e mais instruído…
Importa, por isso, que no planeamento das políticas culturais, os decisores estejam cientes da importância de reforçar a articulação das linhas de financiamento e apoios à cultura, sobretudo concebendo fundos interministeriais que permitam articular holisticamente os investimentos com enfoque cultural dos vários ministérios e articular parcerias claras e transparentes de financiamento partilhado a projetos culturais, entre o governo, os municípios, os promotores e os produtores particulares. Se todos fizessem o que é necessário, não seria preciso andar continuamente a querer reinventar a
roda…