Opinião – Uma esperança para Outubro

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Rui Bebiano

Rui Bebiano

Bastante mais tarde que o desejável, chegamos ao fim de uma legislatura que ficará na nossa história recente pelas piores razões. Problemas determinados por escolhas políticas erradas e pela crise financeira internacional iniciada em 2008 ocorriam já, sem dúvida, antes de ela começar.

Mas estes quatro anos têm sido particularmente violentos, em larga medida porque a coligação PSD-CDS, tal como repetidamente afirmaram os seus responsáveis e mostram as constantes medidas que foi adotando, entendeu aproveitar o grave contexto de crise para, com a conivência do presidente da República, promover de forma autoritária um programa revanchista e rancoroso, jamais referendado, de ataque ao setor público.

Um programa “para além da troika”, destinado a vingar as derrotas e os limites que a direita politica teve de aceitar ao longo de quase quatro décadas de democracia. Mas tal como é do caos que nasce a luz, estes quatro anos de empobrecimento e de prostração coletiva abriram também uma nesga de esperança, traduzida na possibilidade de ver emergir um novo tempo político.

Na hipótese de superar o ciclo rotativista, centrado na exclusiva gestão dos partidos do “arco do poder”, que conduziu ao ponto em que nos encontramos e se mostra agora claramente esgotado. A expectativa está, pois, depositada na capacidade que a esquerda política possa demonstrar para, apesar das diferenças e rancores que historicamente a têm atravessado, apesar das dificuldades e dos obstáculos impostos pela realidade que não desaparecerão por um passe de mágica, ser capaz de oferecer aos portugueses uma via de escape ao ciclo assassino no qual estes se viram mergulhados.

O Partido Socialista, desvitalizado por décadas sem uma orientação politica clara e ambiciosa, trocada com frequência pela gestão de interesses particulares e por uma governação quase sempre desenhada à vista, encontra-se numa encruzilhada.

Por muito que procure oferecer uma ideia de coesão interna, percorrem-no fendas das quais pode vir a resultar a sua queda, numa «pasokização» à grega que seria perniciosa para a própria democracia, ou então o rejuvenescimento da sua identidade original social-democrata e republicana. Foi em parte baseado neste pressuposto que emergiu a liderança de António Costa, restando saber até que ponto é esta capaz de fazer frente aos ímpetos de pardo acomodamento impostos pelos setores reunidos numa trama de conveniências com raízes profundas.

A estratégia do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda tem sofrido também algumas alterações. É verdade que ambos, apesar de o negarem recorrentemente, continuam a recusar assumir-se como solução de poder, permanecendo essencialmente instalados, mesmo num contexto de gravíssima crise nacional, numa lógica de protesto que os configura como politicamente imaculados, desvinculados de uma solução que não passe pela afirmação das linhas fundamentais do seu próprio programa.

Mas também é verdade que alguns dos setores que os integram começam a reconhecer, ainda que talvez de uma forma nebulosa, a necessidade de superar essa condição de estranheza em relação aos espaços de decisão e à representação de setores do eleitorado essencialmente voltados para si próprios.

É neste contexto que gradualmente tem emergido a candidatura cidadã do Livre/ Tempo de Avançar, cuja missão consiste, em boa parte, em tentar contribuir para superar este estado de coisas, propondo uma alternativa política própria que promova uma colaboração entre as várias esquerdas com capacidade para superar o atual estado de emergência e iniciar a recuperação do país.

A sua proposta não incide na tentativa de interferir como muleta numa estratégia de poder conduzida previsivelmente pelo PS, mas no esforço para ajudar a construir um espaço vocacionado para uma convergência mínima, de média duração ou pontual, amplamente partilhada à esquerda.

Isto traduz-se na defesa de princípios muito básicos – a rejeição da austeridade pela austeridade, a renegociação da dívida pública, o relançamento do investimento público e a dinamização do consumo, o fim da precariedade e a proteção do trabalho, o resgate das pessoas e das empresas, a devolução da política aos cidadãos, a reconsideração do lugar de Portugal na Europa – que possam ser partilhados pelos partidos da esquerda e por muitos cidadãos que se têm afastado do processo político.

É nesta direção que, de uma forma positiva, o Livre/ Tempo de Avançar se propõe emergir como instrumento, entre outros, de uma dinâ- mica que permita salvar o país e devolver a esperança aos que o habitam.

Por isso apoiar as suas propostas, longe de “dividir a esquerda”, pode ajudar a dar forma a uma autêntica alternativa.

(As minhas crónicas no Diário As Beiras são agora interrompidas por motivo de férias. Regressarão em Setembro.)

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