Assisti, há poucos dias, em casa de amigos, a algo tão assombroso como improvável. Dois dos convivas, de gerações diferentes, abraçaram duas violas e começaram a tocar sem ensaio ou encenação. O resultado foi estrondoso, tendo arrebatado quem teve o privilégio de escutar um espetáculo singelo e improvisado, que foi momento de rara beleza musical e elevada emoção.
Nélson, músico autodidata, evidenciou estar atualizado e ser capaz de, apesar da avançada idade, tocar com mestria. Já o André, frente ao antigo mestre, vincou bem a sua personalidade e mostrou o que vale uma sublime capacidade de improvisação, quando associada a aprimorada educação musical. Se os sons saídos da viola do mestre a todos encantaram, o que saiu da outra viola foi uma tão bela como inenarrável fusão de melodias e culturas, de baladas de Coimbra a sons das terras de Vera Cruz, onde este jovem doutorado cientista luso desde há muito trabalha.
Foram momentos de encantamento, que me fizeram sonhar com o que agora parece impossível. Sonhei com a possibilidade de assistir a outro bem mais improvável dueto, formado pelo que for timoneiro duma grande força política do arco da governação e por quem estiver ao leme do partido que mais tempo governou a nação, em liberdade.
Os líderes destes partidos – estes, em si pouco diferentes – um dia governarão o país em sintonia, mesmo que para tal precisem de muitos ensaios e de urdir fantásticas encenações. Poderão até precisar dum cantador, capaz de aplanar dificuldades, se sublimar vaidades. Serão então formidável trio, e não improvável dueto!
É que a dramática situação económica, a que certos políticos irresponsáveis nos conduziram no passado recente, obriga a esquecer rivalidades, para que o povo não sofra muito mais e durante décadas! O risco de bancarrota é tão real, que só um governo coeso criará as bases políticas, sociais e económicas que tragam a esperança duma recuperação consistente, e permitam erigir a necessária reforma do Estado. O que impõe, a quem assim pense, lutar por um entendimento entre os principais partidos, que traduza, afinal, o que pretende a maior parte dos portugueses…
Bastará, para que aconteça, que assomem gigantes políticos, que pensem sempre e só em Portugal, mesmo vindo de diversas cores políticas. Sendo verdade que, quando hoje ouvimos apelos à concertação política, logo escutamos coros indignados de verdadeiros anões políticos, que tolhem qualquer hipótese de associar democraticamente os maiores partidos que aspiram à governação, quero acreditar que, um dia, a sabedoria das multidões imporá às elites políticas que tenham a humildade e o discernimento imperioso de governarem, em harmonia, este país.
Se acontecer, Portugal tomará novo e mais rigoroso rumo, capaz de arrostar as maiores tormentas, e de nos afirmar como país respeitado não só na Europa mas no Mundo, retomando o esplendor perdido. Quando acontecer, teremos o futuro digno das nações que demonstram que solidariedade se constrói com base na liberdade, fraternidade, igualdade, e com muito trabalho!
Enquanto não acontece, digo a quem ainda acredita, que há que manter a esperança em melhor futuro, apesar de antecipar os maiores sufocos, resultantes de espúrias querelas políticas futuras, se não existir capacidade de entendimento político. Oxalá que quem ganhar as eleições de 4 de outubro, reúna condições políticas para governar. Ou que quem as perder assuma, como missão patriótica, viabilizar um governo que salve Portugal de um tão triste, como tenebroso futuro!