Opinião – Uma grande mentira

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Norberto Pires

Norberto Pires

Esta semana, no dia 1 de Abril, a Rádio Universidade de Coimbra quis fazer apontamentos de reportagem com os seus comentadores perguntando qual era a maior mentira que ouviram nos últimos tempos.

Era uma forma de ilustrar o dia das mentiras, algo que em Portugal começa a ter muito significado. Não o dia, entenda-se, mas a própria mentira e o engano. Gostei muito da iniciativa que considero muito relevante, pois reconheço que o tema deve ser colocado na ordem do dia dado o elevado grau de mentira que existe na sociedade portuguesa.

Lembrei-me que a maior mentira de todas, e talvez aquela que menos valorizamos, é de que vivemos num Estado democrático, o qual tem (deveria ter) como pilares fundamentais a liberdade de expressão, a livre escolha, a consequente responsabilização, o debate livre das opções que mais se ajustam ao futuro que perspetivamos, a igualdade de oportunidades e uma certa identificação da nosso sucesso com o mérito das ações que desenvolvemos ao longo da vida. Nada disso é verdade.

A comunicação social está cada vez mais manietada e controlada pelos interesses económicos, sendo uma caricatura de liberdade e estando muito longe de fazer informação isenta.

Falar de jornalismo de investigação já só é possível recorrendo à memória e apontando casos do passado muito longínquo. O que melhor classifica o jornalismo de hoje em dia é talvez o conceito de nota de imprensa.

As escolhas que fazemos em eleições também são muito limitadas. Votamos em escolhas já definidas pelos diretórios partidários, os quais têm um modo de funcionamento muito pouco democrático, onde existe corrupção, tráfico de influências e amiguismo, e que é dominado por profissionais da política, oriundos dessas verdadeiras “universidades” do poder político que são as juventudes partidárias.

Votamos em listas já pré-filtradas e alinhadas com interesses que, descobrimos depois mais tarde, pouco têm a ver com o interesse nacional e se afastam muito daquilo que desejamos quando libertamos este país do obscurantismo da ditadura.

Este país precisa de partidos, sem dúvida, mas tem de urgentemente exigir a sua reforma para que se liberte a capacidade de escolha, de debate e de reflexão sobre o futuro, exigindo e responsabilizando muito mais os eleitos.

O debate está totalmente ausente da sociedade portuguesa. Nem vale a pena argumentar sobre esse assunto, porque a vida política nacional resume-se a trocas de galhardetes entre claques partidárias que defendem os “seus” contra os “outros”, como se tudo isto não passasse de um interminável Benfica-Sporting.

No final, ganhe quem ganhar, nada do que foi dito em campanha eleitoral é cumprido, deixam de existir compromissos e vivemos num apontar de dedos permanente, inconsequente e sem sentido que só poderia ter o resultado que teve: um país pobre, endividado, sem rumo, que não perspetivou o futuro, não escolheu nenhum rumo e por isso desperdiçou todos os recursos financeiros que teve à sua disposição.

Numa verdadeira democracia, ou seja, numa democracia responsável e participada, a ação política teria consequências, haveria responsabilidade e a população seria envolvida no seu futuro. Não se tomavam decisões ilegais, como li recentemente no acórdão do tribunal da relação sobre a ação de um ex-governante, que não tinham em linha de conta o interesse público e onde se favorecia o interesse privado e lucrativo de um grupo, sem existir uma consequente responsabilização política, civil e criminal.

Não se publicavam resultados de eleições em que num arquipélago com duas ilhas se esqueciam os resultados de uma delas, sem que isso desse origem a um exigente processo de apuramento de responsabilidades. Não haveria distinção entre contribuintes, como se VIP não fossem todos fosse qual fosse a sua responsabilidade pública ou privada, e a mera suspeita de que isso pudesse ter acontecido provocaria um tal brado nacional que levaria todos a exigirem uma imediata responsabilização ao mais alto nível.

Não se lançava mais um período de fundos comunitários, sem o necessário debate nacional, orientando de forma responsável as opções tendo em conta as necessidades do país, nem seria possível ouvir que a generalidade dos autarcas nacionais considera que esse programa, ainda sem ter verdadeiramente arrancado, precisa já de ser reprogramado para lhes dar mais poder de decisão. Nada disto seria possível. Todos os cidadãos exigiriam ações imediatas e não descansariam sem as ver executadas, pois tinham a perceção de que nisso se jogava o seu futuro.

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