Opinião – António Nobre: Os encantos e desencantos de Coimbra

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José Ribeiro Ferreira

José Ribeiro Ferreira

Faz 115 anos que António Nobre morreu – 16.8.1867-18.3.1900 – um poeta que tem a sua vida ou obra muito ligadas a Coimbra: aí cursou Direito e à cidade fazem os seus poemas frequentes referências ou alusões. Embora o ambiente estudantil, de início, tenha provocado desencanto na sua sensibilidade cheia de delicadeza, um grupo de amigos, a que se refere no Só – entre eles Alberto de Oliveira e Mário Duarte (o ‘Mário da Anadia’), avô de Manuel Alegre – reconcilia-o um tanto com o ambiente de Coimbra; e com esses amigos forma uma tertúlia literária que estará na origem da criação da revista Boémia Nova ( 1 de fevereiro de 1889 ) que esteve nos começos do movimento simbolista em Portugal e rivalizou com a que Eugénio de Castro cria – Os Insubmissos (também de 1889 ).

António Nobre é poeta que encanta e seduz pela musicalidade, pela cadência, pelas imagens que nos envolvem e nos conquistam. É poeta que me diz muito e me faz assídua companhia, quer no gosto que me dá de leituras frequentes, quer pelas vezes em que, sacudindo o pó, abre o baú e bate às portas da memória. Com a minha adolescência muito marcada pela leitura do Só, aprendi de cor poemas que não mais se me varreram da memória. É o caso de “Lusitânia no Bairro Latino” que muito me impressionou pela oralidade e pelo tom lusíada; ou o caso de “O sono do João”. Ou ainda o poema “Saudade” que começa “Saudade, saudade! palavra tão triste, / E ouvi-la faz bem: / Meu caro Garrett, tu bem na sentiste, / Melhor que ninguém!”. Ou então as quadras de “Para as raparigas de Coimbra”, em especial a bela e sugestiva imagem desta (a segunda): “Ó choupo magro e velhinho, / Corcundinha, todo aos nós, / És tal qual meu Avozinho: / Falta-te apenas a voz”.

A sua poesia cobre as correntes ultra-romântica, simbolista, saudosista, decadentista. Verifica-se nela a intromissão constante do discurso biográfico: percurso e experiência de vida, momentos felizes de infância, histórias da velha Aia, lugares e paisagens onde esteve, amigos. Marcada pela lamentação e nostalgia, imbuída de subjectividade com laivos de auto-ironia, percorre-a a noção de destino individual predeterminado, de certa fatalidade; perpassa-a o sentimento de tristeza e de exílio, como o autor confessa no poema “Memória”, ao apelidar o Só “o livro mais triste que há em Portugal”.

A poesia de António Nobre recorre com frequência ao discurso coloquial e a um fundo oral (até com jogo teatral) que se nota, por exemplo, em composições como “Memória”; em “Lusitânia no Bairro Latino” e “Males de Anto”; também em “Meses depois num cemitério”, que encerra o Só e que se inspira nos romances populares. Essa coloquialidade – cheia de ritmos populares, musicais, livres – quebra a linguagem elevada e rebuscada do simbolismo, rompe com ele e abre caminho à modernidade; contribui para tornar a escrita simbolista mais coloquial e menos pesada.

E concluímos com a seguinte afirmação de Fernando Pessoa, a respeito de Nobre: “O ingénuo panteísmo da Raça, que tem carinhos de espontânea frase para com as árvores e as pedras, desabrochou nele melancolicamente”.

1 – “Para a memoria de António Nobre”, in Textos de Critica e Intervenção (Lisboa, Ática, 1980 ), p. 115.

 

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