“A diferença de remuneração entre o setor privado e público foi sempre muito significativa”

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Marcelo Nuno

Marcelo Nuno

Como surgiu a possibilidade de ir trabalhar para Angola?
Através de um processo de contratação (“headhunting”) levado a cabo por uma multinacional, parceira do grupo económico para o qual trabalho. Respondi ao convite para preenchimento do lugar e fui passando por várias fases/etapas de um longo processo de recrutamento e seleção.  No final, ficamos um grupo muito restrito de “eleitos” e, por fim, acabei por ser selecionado. Depois iniciou-se um processo de negociação que acabou quase um ano depois de ter começado o recrutamento/seleção.

Em Coimbra já exercia cargo de direção numa empresa, que motivações o fizeram viajar?

Exercer funções de gestão numa empresa púbica é altamente desgastante e, frequentemente, desanimador. O quadro de mais elementar racionalidade com base na qual se devem tomar as decisões é, vezes demais, distorcido por fatores de outra ordem, que pouco ou nada contribuem para salvaguardar o interesse dessas instituições e, consequentemente, o interesse público. Esses fatores sobrepõem-se vezes demais à racionalidade com base na qual se devem tomar decisões de gestão.
Fui resistindo aos convites que tive, procurando honrar o compromisso que assumira para dirigir a Águas de Coimbra, mas fui ficando cada vez mais farto de exercer funções na dita “esfera pública”. Ansiava, cada vez mais, retomar a minha carreira profissional. Acresce que, sob o ponto de vista material/financeiro, esta opção é altamente penalizadora, pelo que achei a dada altura que já tinha dado contributo suficiente para a “causa pública” e que tinha também o direito (e o dever) de zelar pela minha família. A diferença de remuneração entre a minha atividade no setor privado e no setor público foi sempre, no meu caso, muito significativa, pelo que a opção por estar no setor público prejudica muito, sob o ponto de vista material, os meus filhos. A certa altura, a compensação que resulta de estamos a dar o nosso melhor contributo para a causa pública torna-se insuficiente. Sobretudo num país em que tanta gente anda “de dedo em riste” a exigir e a criticar, mas em que tão poucos se dignam “mexer uma palha” em prol do interesse público.
O desafio que acabei por abraçar pareceu-me altamente aliciante – quer sob o ponto de vista profissional, quer sob o ponto de vista material.

O desafio e, com certeza, também a remuneração, compensa ter deixado o seu país-natal?

No mundo cada vez mais globalizado e competitivo em que vivemos, qualquer pessoa que ambicione a sua realização profissional (e, eventualmente, material) tem que estar preparada para deixar a sua terra-natal. A globalização de que resultam constantes deslocações de pessoas por todo o mundo (e os cada vez mais intensos movimentos migratórios) farão com que, a breve trecho, o conceito de “homeland” seja cada vez mais esbatido (para não dizer irrelevante).

Como foi resolvido o problema do afastamento familiar?

Esse é um problema que não se resolve. Atenua-se com as modernas tecnologias de comunicação e com passagens mais frequentes (ainda que fugazes) por Portugal, por razões que se prendem com a tal globalização dos negócios e da atividade empresarial. No entanto, faz parte da vida e as próximas gerações vão, seguramente, ter que estar mais preparadas para essa realidade. Em todo o caso, esta é, obviamente, a parte mais difícil da opção que tomei.

Durante muitos anos conciliou a sua atividade profissional com a política em Portugal? Tens saudades dessa prática política?

Não! Apesar do enorme esforço que fiz por conciliar as duas, a primeira saiu sempre prejudicada pela segunda, com sérios prejuízos para mim e para a minha família. Tenho, contudo, saudades das pessoas com quem fiz amizade. Tenho saudades de muitos/as dos que fizeram esse caminho comigo e que, de uma forma ou de outra, me marcaram ao longo do meu percurso pessoal e político.

É preciso uma personalidade forte e capacidade de resistência para abraçar estes desafios profissionais internacionais?

É preciso, antes de mais uma enorme capacidade de adaptação. Num mundo em constante e vertiginosa mudança, quem não tiver capacidade de adaptação à mudança não tem hipótese de sobreviver. Depois, num contexto adverso e cada vez mais exigente e competitivo, é fundamental ter competência e atitude. O meu sucesso profissional depende do meu desempenho e este é avaliado pelos patrões (investidores) em função dos resultados que as empresas que dirijo conseguirem alcançar. Não há truques nem desculpas. Ou conseguimos, ou não conseguimos alcançar/superar os objetivos. Sem a necessária preparação e muita determinação não é possível vencer desafios mais exigentes.

Como são passados os tempos livres em Luanda?

Não tenho muito tempo livre. Não ter a família por perto, torna-nos mais disponíveis (e concentrados) para o trabalho e nem pensamos muito nos tempos livres. Em todo o caso, procuro fazer muito exercício físico (como já fazia antes de vir para cá) e, com frequência, uso a piscina do condomínio onde vivo.

O convívio dos portugueses que aí estão a trabalhar é em grupos restritos, ou mais multicultural?

Creio que tende a ser mais “fechado” na sua própria comunidade, mas não sou grande especialista na matéria, porque não tenho propriamente uma vida social muito preenchida.

Que expetativas tem de prosseguir a sua carreira em Angola?

Enquanto me sentir profissionalmente realizado – e sinto! – não tenciono mudar. O Grupo que dirijo tem um enorme potencial de crescimento e isso torna ainda mais aliciante o que estou a fazer. Sinto-me enormemente motivado e realizado.
Acresce que o fundador e principal investidor do Grupo é uma pessoa de enorme integridade pessoal/moral e com uma excecional capacidade de trabalho e de liderança, com a qual tenho aprendido muito e com cujo exemplo e competência me tenho valorizado profissionalmente. Sinto que o meu contributo faz a diferença e estou, portanto, completamente comprometido com este Grupo e com os objectivos que traçamos para os próximos anos.

Outros desafios internacionais podem ser equacionados ou prevê o regresso a Portugal?

O Grupo está a estruturar-se de forma a suportar o forte crescimento esperado para os próximos anos. Parte relevante desse crescimento passa por parcerias internacionais que tenho ajudado e negociar e estabelecer. Como disse anteriormente, os negócios e a atividade empresarial são cada vez mais globalizados, embora se faça cada vez menos negócio com empresas e empresários portugueses. Tenho saudades de muitas coisas no nosso país, mas não tenho, no meu horizonte temporal mais próximo, previsto o regresso a Portugal.

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