Os Gregos no último domingo, dia 25 de janeiro, votaram no Syrisa, um partido que se opõe aos ditames impostos pelo poder económico. E assim expressaram a sua liberdade e afirmaram a sua vontade contra quem quer decidir por eles, condena a Grécia à humilhação e à pobreza ( cerca de 40% no limiar da pobreza).
Devo dizer que o meu íntimo pulsou com contida satisfação. Senti essa expressão de vontade e liberdade como uma lição à pouco humana Europa do dinheiro. E insensivelmente o pensamento me resvalou para os tempos da Grécia antiga e para os primeiros passos do nascimento da democracia como regime político, das lutas e esforços pelo afirmação da liberdade.
Têm origem helénica a palavra democracia, como são também conquista dos Gregos o conceito e o regime que o termo exprime. O mesmo acontece com a grande maioria da demais terminologia política – sabem muitos perfeitamente. Foi mais de meio século de lutas e de debate ideológico para sedimentar a democracia e a liberdade, desde que a pólis ou Estado de Atenas implanta o sistema, com as reformas de Clístenes em 508 a.C.; a primeira metade do séc. V a. C. aperfeiçoa-o, até se consolidar, em meados desse séc., com Péricles, e adquirir os traços essenciais que ainda hoje a definem: democracia directa e plebiscitária, busca da igualdade e tentativa em conceder aos cidadãos as mesmas possibilidades, sem olhar a categoria social, meios de fortuna ou cultura, a ponto de perseguir e tudo fazer para implantar na prática três ideais: isonomia, a isegoria e a isocracia, ou seja “a igualdade de direitos” ou perante a lei, a “igualdade no falar” ou liberdade de expressão e a “igualdade no acesso poder”, respectivamente. Consideravam este direito à igualdade tão fundamental que consideravam a eleição um processo oligárquico (cf. Aristóteles, Retórica 1. 8 ) e até consignaram, como método ideal, a escolha por tiragem à sorte – método, para nós hoje, um tanto abstruso, mas que, no entanto, tem o condão de colocar todos em plano de igualdade.
Muitos destes ideais revivem nas constituições democráticas do mundo moderno, como buscaram paradigma entre os Helenos diversas instituições europeias, ou mesmo mundiais, ao longo dos tempos. E também a Declaração dos Direitos do Homem e a Carta das Nações Unidas ( 1948 ) encontram os seus princípios e a sua filosofia nos ideais da democracia grega.
Talvez por isso, nos últimos tempos, tenho-me surpreendido a refletir, amiúde, sobre o que seríamos nós sem a Grécia, sem a sua realização histórica e cultural – ou seja, sem o seu fecundo legado.
A Hélade antiga legou-nos, por muitas vias, a sua cultura – fluxo que mana, sem cessar, nunca o mesmo e nunca igual, há mais de dois mil anos. Banham-nos os pés, entram-nos mesmo porta dentro, termos e conceitos correntes, temas e personagens, mitos e figuras históricas ou lendárias, cuja enumeração encheria páginas sobre páginas. Tornam-se aluviões fecundos, adubam os produtos e criações da mente humana, sempre novos, sempre outros. E o baú da memória da humanidade recolhe os estratos sucessivos que aí ficam depositados e aí permanecem pujantes e vivos, sempre prontos a ser desfiados à mínima alusão ou associação. Enfim, legou valores intrínsecos de grande relevância humana, que nos tornam mais humanos.
Por isso – aceito que por deformação profissional, se assim o entenderem – sempre me causou íntimo incómodo a sobranceria com que a Europa olha a Grécia nos últimos anos e com ela lida.
E o incómodo cresce e transforma-se em mal estar, quando penso que, para apreciar as obras de arte da Hélade antiga e assim cultivar e afinar gostos artísticos, houve e há que visitar museus que não se situam nesse país, porque muitas das suas criações e realizações se encontram espalhadas por museus de todo o mundo, em especial da Europa, onde chegaram nem sempre, ou quase nunca, pelos caminhos mais lídimos. É como querer cortar a água à fonte ou a nascença ao rio.