Não sou “Charlie” porque, antes de ser Charlie, teria que ser:
– A criança de 10 anos utilizada em ataque terrorista na Nigéria, ontem;
– As 132 crianças que foram mortas, no passado dia 14 de dezembro, no ataque de um comando talibã no Paquistão;
– As 280 adolescentes raptadas pelo Boko Haram em Maio de 2014 na Nigéria;
– Malala, a corajosa jovem muçulmana, alvejada pelos talibã e, hoje, a mais jovem Prémio Nobel da Paz e símbolo de esperança para o mundo;
-Todas as jovens meninas obrigadas a casar precocemente e que são objeto de pedofilia;
-Todas e todos os Capacetes Azuis das NU que morreram em manutenções de paz;
-Todas e todos os soldados que morreram a combater islamitas radicais;
E muitos mais.
De qualquer forma, nunca seria Charlie porque não concordo que se aproveitem os meios de difusão, a coberto da liberdade, para violar a dignidade e o respeito de pessoas e instituições, manchando o seu bom nome através de desenhos, caricaturas ou textos, onde atacam e ridicularizam o sentir religioso, íntimo, ou pessoal.
A ser um ou uma jornalista, seria: os/as correspondentes de guerra que morreram ao tentarem fazer-nos chegar a verdade; ou até, seria aquelas e aqueles que diariamente trabalham arduamente nas redações para nos fazerem chegar notícias o mais isentas possível.
A liberdade de expressão encontra-se consagrada no artigo 10º da Convenção Europeia de Direitos Humanos. Trata-se de um direito universal que supõe a liberdade de ter uma opinião, de receber e partilhar informação e ideias, sem a interferência do Estado ou outra Entidade Pública. No entanto, este é um direito que acarreta também deveres e responsabilidades e poderá ser sujeito a determinadas formalidades, condições, restrições e até penalidades (previstas na lei) que são necessárias numa sociedade democrática. Dispõe o nº2 do mesmo artigo que, para serem admissíveis, essas restrições devem ir ao encontro de um fim legítimo, tal como: segurança nacional, integridade territorial e segurança pública, proteção da saúde e moral, prevenção de desacatos e crimes, proteção da reputação e direitos de outros e proteção de informação considerada confidencial.
Eu nunca seria Charlie porque nunca faria nada propositado que pusesse em causa a segurança dos que me rodeiam. É preciso saber lidar com outros que, infelizmente, não partilham os nossos valores de Democracia, Liberdade e respeito pelos Direitos Humanos. Está à vista que caricaturas, sátiras e filmes que ridicularizam e agridem símbolos que lhes são caros, não são boa ideia. Temos que perceber que a nossa liberdade tem limites e deve acabar onde começa a nossa capacidade de racionalizar as situações e não fazer provocações gratuitas e perigosas para quem as faz e para os outros.
Eu nunca seria Charlie, muito menos hoje, 11 de janeiro de 2015, como os milhões de pessoas que estão em Paris, incluindo o nosso Primeiro Ministro, porque me sinto solidariamente ofendida por todas e todos os muçulmanos que são diariamente insultados nas redes sociais, a propósito deste ataque perpetrado por extremistas islâmicos, e que são boas pessoas, pessoas civilizadas que condenam estes ataques terroristas tanto ou mais do que nós. Compreendo-os até porque, também, já me senti muitas vezes segregada e ostracizada só por ser portuguesa e não gostei.
Por último, eu nunca seria Charlie porque os Países Árabes civilizados, o Ocidente em geral e a Europa em particular têm culpas nesta situação específica. Os assassinos vivem entre nós. Estes, como outros, são quase sempre qualificados pela polícia como “já referenciados”, o que , pelos vistos, vale o que vale!
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