Opinião – Esse homem

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Aires Antunes Diniz

Aires Antunes Diniz

Conheci o Dr. Joaquim Gil numa dessas noites eleitorais na Associação Académica, sendo ele candidato e mais ainda um estudante bem classificado da Faculdade de Direito de Coimbra.

Estávamos em multidão na Clep, ou seja na Clepsidra, situado ao fundo das Monumentais. Era um café pertença de uma cooperativa, por onde passava muita da Utopia, esperando e pensando todos nós a Redenção de uma Pátria, que tanto precisa e precisava dela. Era de Utopia que todos nós falávamos. E assim nos conhecemos.

Era tal e qual: “Esse homem, – essa espécie de visão, – disse-me num tom de adorável lhaneza e doçura que ainda hoje me soa aos ouvidos com saudade: – Que lhe aconteceu, snr. Zagallo? Eu, despertado do meu letargo, respondi apenas e secamente:- Perdi o meu dinheiro e tinha de ir para Coimbra” . Era alguém que Bernardino Zagalo, um dos muitos advogados célebres, quis homenagear.

Após ter concorrido a assistente na Faculdade de Direito, o Joaquim Gil não o foi por força de uma lógica sem lógica nenhuma. Como abriram vagas na Faculdade de Economia foi aí meu colega num tempo conturbado por força da definição de currículos numa Escola que se queria de Economia.

Esteve lá uns anos, e infelizmente por uma micro-história mal contada o seu nome não consta como um dos paladinos por uma escola de qualidade. É onde está a menos onde outros estão a mais.

Tornou-se gradualmente advogado, abandonando o ensino superior e como tal foi também meu advogado, podendo eu nesta sua qualidade apreciar a sua capacidade profissional e humana no tratamento dos meus problemas pessoais, onde se entroncavam não só os meus azares por simples pensamento utópico, que me tinham levado a becos sem saída, mas também por malvadez velhaca de gente que conhecíamos bem e sobre isso falámos muitas vezes. E dessas embrulhadas saí sempre com o mínimo de prejuízos. E a ele o devo.

Também nas muitas conversas que tivemos, vinha à baila muitas vezes as arbitragens, que enviesavam a verdade desportiva, uma vez que ele tinha como encargo na Federação Portuguesa de Futebol o controlo da qualidade do trabalho dos árbitros. Mas, era algo que seguia com bonomia e compreensão pelas fragilidades humanas que aí se evidenciavam.

Por essa altura, tive como aluno um árbitro de futebol que também me contava algumas histórias que me fizeram descrer da “verdade desportiva”.

Entretanto, como estive em muitos outros lados, e quase me mudei para a Beira Interior, deixei de seguir a vida coimbrã com atenção e perdi-o de vista.

Reencontrei-o nos últimos jantares com que o Diário As Beiras presenteia os seus colaboradores e tivemos uma conversa amiga, onde reencontrei a sua terna capacidade de perceber os outros. É o que nunca esquecerei.

1 – O Intransigente, Domingo, 26 de Fevereiro de 1888, p. 1, coluna 4.

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