Opinião – O direito de suspeitar

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Bruno Paixão

Bruno Paixão

A Justiça suspeitou que o ex-primeiro-ministro José Sócrates cometeu crimes de corrupção e passou a investigá-lo. Durante o período em que esteve a escrutinar a sua vida, aparentemente nunca temeu que ele pudesse fugir, apesar das inúmeras viagens intercontinentais.

Mas o nariz que fareja o insólito resolveu a dada altura suspeitar que havia perigo de fuga e deteve-o no aeroporto, na noite de sexta-feira, 21 de novembro de 2014, quando este regressava de Paris.

É claro que a Justiça tem o direito de suspeitar. As imagens da detenção passaram nas televisões e ainda hoje continuam a circular na internet. Passados alguns minutos, os media já tinham informações detalhadas, que aguardavam pelo momento de ver a luz do dia (ou da noite), pois é inverosímil que em escassos minutos aqueles jornalistas já soubessem tanto a respeito de algo que acabara de acontecer e que devia estar em Segredo de Justiça.

A maioria dos órgãos de informação deixou de suspeitar e passou a vender certezas. Dos quality papers aos tabloides, a origem da informação apontava quase sempre para “fonte judicial”. Não conseguindo acompanhar os rivais no acesso a essa fontes, os media passaram a repetir até à exaustão algumas trivialidades: “uma fonte judicial confirmou que além da casa de Paris estão em causa muitas outras coisas”. Pois…

É inacreditável como alguns jornalistas esqueceram que a informação deve ser veiculada com rigor e exatidão, que não tenham feito um esforço mínimo para esperar que os factos fossem comprovados, que se prestassem a confundir notícia com opinião, que não se tenham coibido de acusar sem provas, nem tenham salvaguardado a presunção de inocência do visado. Entretanto as suspeitas avolumaram-se e, porque é possível falar sem dizer nada, houve quem falasse muito mas dissesse pouco.

Eu não devia sentir necessidade de fazer esta nota de intenções, mas quero sublinhar que a minha consciência não está, nem nunca esteve, agrilhoada. Sou livre de falar no que bem entendo. E sinto um certo nó no estômago pois considero que, por um lado, José Sócrates não augura ser um exemplo de santidade. Por outro, foi vítima de uma Justiça que, em vez de cega, apareceu de pala num olho.

Ao possibilitar que o processo fosse violado, a Justiça permitiu o linchamento público. É inconcebível o alarido feito à volta da detenção que, quer gostemos quer não, converteu-se numa enorme humilhação que ficará para sempre registada. Tem havido suspeitas de que a Justiça vai distribuindo pelos jornais sensacionalistas informações nefastas sobre o caso. A isso chama-se “manipulação”.

A Justiça desmente estar na origem das fugas de informação e até já prometeu uma averiguação. Será a Justiça a investigar-se a si própria, segundo os seus interesses e as suas regras. Suspeito que a culpa, como sempre, morrerá solteira. Apenas suspeito.

Custa-me falar em Justiça de forma tão abstrata, pois conheço e sei que existe no seu seio gente que cumpre responsavelmente o seu papel, que apenas se interessa pela verdade, que não é conivente com corporativismos nem com promessas letais de vingança, que tem uma conduta exemplar e sente respeito pela lei.

Gostaria que o processo decorresse com normalidade e que o ex-primeiro-ministro tivesse um julgamento justo. De forma a que não restassem dúvidas sobre a sentença que lhe venha a ser aplicada. Mas suspeito que isso já não seja possível. Suspeito… pois também tenho o direito de suspeitar.

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