Opinião – Motivos para não nos escandalizarmos com os escândalos?

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Bruno Paixão

Bruno Paixão

 

Num estudo recente que tive a oportunidade de conduzir, dirigido a um universo de mais de 1.250 pessoas, cerca de 60% dos inquiridos foram taxativos ao considerar José Sócrates culpado da acusação de corrupção.
Todavia, quando interrogados sobre se se consideravam realmente escandalizados com os sucessivos casos que têm vindo a público, praticamente metade respondeu que não. Assaz curioso, este facto faz despontar uma dúvida: por que razão
não se incomodam as pessoas com os escândalos?
Entre as razões pelas quais os cidadãos não se indignam, algumas merecem especial relevo. A primeira delas, e a mais
citada entre os inquiridos, prende-se com a nossa imunidade aos escândalos. Ou seja, a quantidade de casos que estão
sempre a ocorrer acaba por infligir-nos uma certa indiferença. Esta ideia tem paralelismo com a lenda do rei Mitrídates
que, conta-se, procurou precaver-se contra um eventual envenenamento, tomando doses crescentes de veneno,
mas não letais, até que ficasse imune. Após ser derrotado por Pompeu, tentou o suicídio por envenenamento, mas não
conseguiu, devido à sua resistência.
Uma outra razão para não nos indignarmos com os escândalos prende-se com o enfraquecimento da ideologia e o declínio dos valores tradicionais. A crescente visibilidade dos líderes e a galopante importância das políticas centradas nos políticos-estrela e no seu carisma, em detrimento da racionalidade ideológica que desde sempre suportaram o universo simbólico das sociedades, converteram os escândalos em meras referenciações, decrépitas e frágeis.
Contribui igualmente para a vulgarização dos escândalos o facto de as pessoas terem uma má perceção da Justiça (mais
de metade dos inquiridos assume não confiar nela) e acharem que o seu funcionamento pode dar muito má imagem
de si. Ora, isto propicia que o público conceba uma cortina que o desaconselha a indignar-se com os escândalos, pois o
culminar dos casos, seja positivo ou negativo, surge fora de tempo e depois de ter vertido para os media informações que
induziram execuções na praça pública, antes do veredito judicial.
Uma outra explicação possível para a nossa indiferença quanto aos escândalos é baseada na observação de Umberto Eco, ao referir que a imensa quantidade de coisas que circula é pior do que a sua ausência. Por analogia, o excesso de informação provoca a amnésia. No fundo, a quantidade de casos leva a que não fiquemos com nenhum em particular
retido na memória, dada a frequência com que sucedem.
Uma última referência para o efeito “rouba mas faz”, popularizado no Brasil da década de 60 do século anterior, em que ao ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros era imputado este slogan, durante a sua campanha eleitoral para Prefeito de São Paulo, quando pendiam sobre ele várias acusações de corrupção. Por vezes, a ideia generalizada de que um político não é sério é ofuscada pela noção de que ele resolve melhor do que qualquer outro os problemas que afetam a comunidade e a possibilidade de ele “roubar” acaba por ser secundarizada, privilegiando-se antes a sua capacidade de fazer obra.
Há, como se viu, vários motivos para não nos indignarmos com os muitos casos que constantemente vêm a público. Mas como disse Simone de Beauvoir, “o mais escandaloso nos escândalos é que nos habituamos a eles”.

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