Opinião – Uma casa para todos

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Francisco Queirós

Francisco Queirós

 

O direito à habitação está consagrado na Constituição da República. O artigo 65.º determina que “Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.” Acrescentando que ao Estado incumbe assegurar o acesso à habitação. Ao longo das últimas décadas houve diversos programas governamentais centrados na habitação, o quadro legal foi sendo alterado, mas de facto apesar de um enorme esforço e investimento do poder local, em Portugal continua a existir cerca de meio milhão de casas vazias e cerca de meio milhão de cidadãos sem habitação condigna. Em Coimbra, segundo os Censos de 2011, há 11 750 fogos vazios e são milhares os agregados familiares sem uma habitação condigna. Nos serviços de habitação da autarquia há actualmente mais de 600 famílias que após avaliação estão enquadradas em situação de emergência habitacional. E apesar do esforço do município, da política de habitação local considerada excepcional, o problema da habitação agudiza-se. Cresce o drama das vítimas da crise. Não há autarquia, nem poderia haver, que resolva um problema tão grave que só políticas centrais concertadas poderão enfrentar. A habitação continua a ser um direito por cumprir, agravado pelas políticas dos governos e o agudizar da crise que arrasta para a pobreza cada vez mais cidadãos e multiplica situações de enorme carência financeira particularmente para famílias atingidas pelo desemprego, pela doença ou pelo divórcio.

Em 1993, o decreto-lei n.º 166/93 estabeleceu o regime da renda apoiada, que se tornou obrigatório para fogos construídos no âmbito do programa Prohabita, mas que foi sendo aplicado a par doutros regimes legais ou com algumas alterações pelos diversos municípios através de regulamentos mais favoráveis. Tal como defende o PCP, e propôs na Assembleia da República, é importante alterar o quadro legal da renda apoiada, estabelecendo critérios de maior justiça social na determinação do valor da renda, como seja estabelecer o cálculo do esforço para pagamento de renda apoiada a partir do valor líquido dos rendimentos auferidos e não do valor ilíquido como agora se dispõe; considerar para efeitos de cálculo dos rendimentos do agregado, com vista à aplicação da taxa de esforço, apenas os rendimentos dos elementos do agregado com idade igual ou superior a 25 anos, retirando do cálculo de rendimentos todos os prémios e subsídios de carácter não permanente; considerar para efeitos de cálculo do rendimento do agregado apenas um valor parcial das pensões de reforma, aposentação, velhice, invalidez e sobrevivência, sempre que estas não atinjam o valor correspondente a três salários mínimos nacionais; limitar o esforço com o valor da renda a pagar a 15% do rendimento do agregado sempre que este não exceda o valor correspondente a dois salários mínimos nacionais. Recentemente, um projeto de lei do PCP, com estas propostas, foi rejeitado pelo PSD, PS e CDS-PP.

Em breve, discutir-se-á na AR uma proposta do governo sobre o arrendamento apoiado. O governo propõe a aplicação obrigatória a todo o parque habitacional público, violando a autonomia do poder local, impedindo os municípios de regulamentar sobre importante área do seu património. Esta imposição conduzirá a aumentos significativos do valor da renda a cobrar, acrescendo que, muito do parque habitacional, sobretudo o do próprio Estado (IHRU), onde se vai verificar o aumento, está muito degradado. Mantém, para o cálculo do valor da renda, a consideração pelo rendimento bruto, o que leva a aumentos substanciais no valor da renda, com natural impacto negativo no saldo disponível para a subsistência da família. Abre a porta a elevado número de despejos de famílias que, por residirem em fogos mais antigos, com baixo valor da renda condicionada, e, ainda que de baixos rendimentos, atingem tal taxa de esforço. Aplica o regime do procedimento administrativo a todo o processo de arrendamento, significando isto que os despejos passam a ser feitos por via administrativa e por mera comunicação administrativa. Permite o realojamento de agregados em concelhos onde estes não residiam, o que poderá ser dramático para a população mais idosa.

A proposta do governo passa ao lado do essencial do problema da habitação.
O direito à habitação continua por cumprir.
Num país de casas vazias, há cada vez mais pessoas sem habitação digna.

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