“Como seria hoje este país sem o SNS?”, questiona António Arnaut

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EQUIPA DO MAS

Ministro António Arnaut (ao centro), acompanhado dos secretários de Estado Victor Vasques e Mário Mendes (em 1978)

 

Criar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi um ponto de honra para si?
Fiz tudo o que podia, fui além do possível, para criar o SNS. Tanto no Governo, como depois como deputado da Assembleia da República. Pedi apoio a muita gente, mas tinha o apoio das bases do partido, da generalidade do povo, da CGTP Intersindical – a UGT nunca se manifestou, infelizmente –, das forças progressistas. Pedi apoio ao cardeal patriarca D. António Ribeiro, por carta, e recebi-o. Pedi o apoio ao Conselho da Revolução e ao Presidente da República Ramalho Eanes, e deram-mo. Recebi também o apoio da Maçonaria, onde fui apresentar o projeto. Fiz tudo o que podia, desde a Igreja à Maçonaria, passando pelo Conselho da Revolução, onde fui, com o Mário Mendes, explicar o conteúdo e sentido político, humanista e técnico do SNS.

O SNS foi uma grande conquista social?
Costumo dizer que o SNS é a grande conquista do 25 de Abril. Pela ordem natural das coisas, hoje teríamos a liberdade política que temos, de pensamento, de expressão, de reunião, mas a liberdade só faz sentido se tiver conteúdo social, isto é, se tivermos o direito à saúde, à educação, o direito ao trabalho, aos direitos sociais. Portanto, a liberdade pressupõe a igualdade de acesso aos direitos , porque só há liberdade em iguais. Um dos lados da democracia é a democracia política, o outro é a democracia económica e o outro a democracia social e cultural. Sem estas três valências, que estão na nossa Constituição, não há democracia.

Foi uma conquista que continuou a crescer?
Cito Constantino Sakelarides, que foi diretor geral de Saúde e foi meu padrinho de doutoramento, que disse, numa entrevista, que “ao nascer nestas circunstâncias, o SNS adquiriu de início uma grande carga de afeções congénitas”. No entanto, “improvavelmente, sobreviveu e cresceu para se tornar sem dúvida no maior sucesso da democracia portuguesa. A proposta de António Arnaut, para a criação do SNS, foi um ato de irrazoável teimosia, face à situação do país. Mas na feliz expressão de um académico californiano, o fundador soube entender o país que nos estava sonhando”.

Pode dizer-se então que foi um ato de teimosia com um final feliz?
De facto. Mas porque é que eu “soube entender o país que nos estava sonhando”, que queria uma saúde melhor? Porque o país vivia sacrificado, só quem tinha dinheiro é que podia recorrer aos hospitais, a não ser que arranjasse um atestado de pobreza ou de indigência. Porque é que o fundador do SNS soube ir ao encontro da vontade e da esperança do povo? Porque o fundador é do povo e conhecia as realidades da vida do povo. Eu sou de uma aldeia, conhecia o país real. Na minha aldeia [Cumieira, Penela] a maior parte das pessoas não iam ao médico, não tinham dinheiro. E no meu concelho havia apenas um médico. A minha formação ética, ideológica, mais a minha experiência e conhecimento da realidade, é que me tornaram mais sensível a estas questões.

O SNS faz ainda mais sentido num momento de crise como o atual, que se reflete em dificuldades acrescidas para a sociedade?
Como seria hoje este país, com dois milhões de pobres, outros dois milhões em risco de pobreza, um milhão de desempregados, sem o Serviço Nacional de Saúde? Por exemplo, nos últimos anos fui operado três vezes, fiz alguns tratamentos, caros, se tivesse que os pagar teria absolutamente de recorrer às minhas reservas. Mas na verdade paguei: porque eu comecei a ter doenças as partir dos 67, 68 anos, mas paguei, porque descontei. A filosofia humanista do SNS é esta: a pessoa paga quando tem saúde, para ser cuidada quando não tem. E os que podem pagam para os que precisam. Os que não podem não pagam nada e têm a mesma dignidade como utentes do SNS e a mesma qualidade de tratamento. Isso é que é importante, mas há pessoas que não entendem isso.

Dora Loureiro

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