Opinião – Tirar o cravo da lapela

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Paulo Valério

Paulo Valério

Para quem, como eu, nunca apoiou António José Seguro, o resultado das eleições primárias diz mais sobre o nosso sistema político do que, propriamente, sobre Costa ou Seguro. Não, não foram os doutores de Lisboa que derrotaram, nas urnas, os agricultores de Montalegre.

É verdade que Costa teve quase 90% no distrito de Lisboa; mas, já agora, também teve uns honrosos 65% no distrito de Vila Real. Na verdade, com a derrota de Seguro é todo um astrolábio que se desfaz em cacos. Seguro marcou S. Bento no GPS e foi parar ao Rio Trancão.

Não devo andar muito enganado se disser que Seguro será, talvez, o candidato a secretário-geral do PS que mais anos da sua vida dedicou a esse objetivo concreto. Se contarmos apenas o período que medeia entre 2005 e 2011, enquanto Sócrates governava, é provável que Seguro tenha falado com mais militantes, um por um, do que todos os candidatos a secretário-geral do PS juntos.

Seguro cumprimentou, telefonou, reuniu, almoçou, lanchou, jantou, ceou, abraçou, beijou e ouviu milhares de camaradas, por esse país fora. Quando desceu o elevador no Altis, não vinha para se apresentar a combate. Vinha tomar o seu lugar.

Seguro ganhou a Assis com 70% dos votos e foi reeleito, ainda há um ano, com mais de 90%. Agora, sujeito ao escrutínio dos cidadãos, perdeu com estrondo e ficou-se pelos 30%. Se isto não é um desfasamento flagrante entre o PS e o país, então não sei o que isso seja.

Claro que, nos próximos tempos, vai haver muita gente a tentar convencer António Costa de que lhe deve a vitória. Cada um trará uma centena de simpatizantes na algibeira. Mas foram os simpatizantes que os meteram a todos no bolso. E nada será como dantes.

Costa tem uma legitimidade ímpar na história do Partido Socialista. Mas essa legitimidade emana largamente dos cidadãos, o que se comprova pelos resultados que teve, mesmo nos bastiões de Seguro. Veja-se, por exemplo, que Costa ganhou na maior freguesia de Coimbra com cerca de 85% dos votos e que, nesta freguesia, o PS, todo junto, perdeu nas últimas autárquicas com menos de 30%.

O maior desafio de Costa não é unir a esquerda. Antes disso, tem que casar os cidadãos com o PS. Tirar o cravo da lapela e oferecê-lo no Fórum Lisboa foi um bom começo. Mas o namoro ainda agora começou.

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