Opinião – Fugas

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J. PEDROSO DE LIMA

 

Contem-me todas as histórias, todas as lendas, porque assim talvez eu consiga encontrar alguma ligação com o que se passou.
Não me surpreendo com facilidade, nem reajo nervosamente a acontecimentos dos chamados paranormais mas, desta vez, tenho que confessar que, pelo menos algum espanto, senti.

As reações das pessoas à minha volta variaram, desde os gritos de pavor, aos ameaços de desmaio e várias tiveram incapacidades transitórias de diversas ordens. Perdas de visão, fonação e movimentação.
Outras, e aqui eu fiquei deveras surpreendido, não viram nem sentiram absolutamente nada. O senhor que brincava com o cão branco, ali perto, continuou a brincar e nem levantou a cabeça. Quando lhe falei no que acontecera ele encolheu os ombros, pôs a coleira no animal, disse com licença e foi-se embora. Pareceu não querer ser contaminado pela minha loucura.

Mas não estou louco, de súbito, várias coisas pareceram ficar fora do que esperamos que aconteça e definem a física do mundo em que vivemos.
O que eu pessoalmente senti foi que a minha visão deixou de dar a informação do lugar onde me encontrava e passou a dar de outro local, que eu nem sei se existe. Era como se a realidade fosse substituída por um holograma gigante, com tons de cor incríveis e paisagens de um outro local. Ou como se, de repente, e sem ruído, uma nuvem que não era nuvem, substituísse o nosso espaço, numa rápida mudança de cenário.

Estávamos no parque municipal, era um sábado à tarde. As crianças corriam e os namorados andavam, mas não todos, porque há sempre alguns parados, em secretos envolvimentos.
A coisa durou, para mim, talvez um minuto, não mais.
Algumas pessoas falaram num silvo, que se ouvia mas eu não me lembro de ter ouvido, fosse o que fosse, para além de gritos de pessoas.
O incrível é que, depois, cada pessoa contava uma história diferente. Uma senhora falava em centenas de gatos à sua volta e um polícia preparava-se para chamar os bombeiros porque só via fogo por todos os lados.
Quando veio a Polícia Judiciária fazer perguntas às pessoas, os elementos obtidos, individualmente, não coincidiam em nada. Os factos observados, o tempo de duração, tudo variava de pessoa para pessoa. Como não havia feridos ou quaisquer outros incidentes os agentes, baralhados, foram-se embora em bloco. “Todos doidos” pareceu-me ouvir um agente dizer, ao entrar na viatura.

Foi nessa altura que se aproximou de mim uma estranha personagem. Um velho de longos cabelos, com um fato cor de azeitona escuro, que lhe ficava mesmo largo, camisa cor de vinho, tudo um bocado desalinhado.
Fixou-me e disse: – Já vivi vários destes fenómenos. São fugas de outras realidades.
Só estamos sincronizados para a nossa. Quando nos aparecem fugas de outros mundos, cada um sente de modo diferente, de acordo com as suas experiências e caraterísticas individuais.

Felizmente só raramente as pessoas têm contacto com estes processos.
– Mas o que é isso de uma fuga de outra realidade, perguntei um tanto desabrido ao senhor do fato azeitona.
– É exatamente aquilo que o senhor sentiu, ou tem outra explicação? Respondeu o velho.
Amansei com a resposta, que achei que merecia e afastei-me, devagar.
Lembrei-me, entretanto, que há uns meses atrás fiquei com a certeza que estava noutro lugar e até me perdi, por completo, mas atribuí isso ao cansaço.
Serão picos de variações meteorológicas improváveis, produzidos por acontecimentos cósmicos há milhares de anos atrás?
Andei durante algum tempo pelo parque fora, mas, de repente, pensei que se o velho soubesse a maneira de fazer a fuga ao contrário, de modo eficaz, teria grande interesse atual. A enorme quantidade de coisas que seria bom que fugissem deste país! Voltei atrás para ver se o encontrava, mas só vi fatos de outras cores.

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