À saída do julgamento que condenou a três anos e meio de prisão com pena suspensa a ex-ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues e o secretário-geral do seu ministério, João da Silva Batista, este insurgiu-se por estar a ser interpelado pelos media. Disse com visível irritação: “Tenho direito à imagem e não quero ser filmado”. E seguiu, tapando-se com o seu chapéu de chuva. Mas os jornalistas fizeram tábua rasa do seu pedido e colocaram-no em todos os noticiários. Ele teria mesmo direito a não ser filmado?
Pedi opinião a dois jornalistas de diferentes estações televisivas. Um disse-me que sim, outro que não. Esta é uma dúvida já clássica na profissão e não podemos afirmar perentoriamente de que lado se encontra a razão sem antes atendermos aos factos mais determinantes.
Quer o direito de informar quer o direito à imagem são direitos fundamentais consagrados. Estando ambos em confronto, qual deles prevalece? Os artigos 37º e 38º da Constituição da República Portuguesa legitimam a liberdade de expressão e informação e a liberdade de imprensa como direitos fundamentais, não podendo o exercício destes direitos ser impedido ou limitado por qualquer tipo de censura, a não ser que exceda os limites autorizados pela própria Constituição. A lei fundamental admite a existência de limites. Entendido no âmbito dos direitos pessoais, o direito à imagem, tal como o direito ao bom nome, à reputação e à reserva da intimidade da vida pessoal, encontra-se protegido constitucionalmente e pode constituir um travão, ou um limite, à liberdade de imprensa.
A jurisprudência alemã criou a chamada “teoria das três esferas”, diferenciando a vida íntima (restrita e pessoal), a vida privada (respeitante a factos que cada um partilha com um núcleo limitado de pessoas), e a vida pública (quando concerne à participação na vida coletiva). Esta teoria ajuda-nos a estabelecer em que patamar de exposição se encontra cada caso.
Regressando à recusa do ex-secretário-geral do ministério em ser filmado, coloca-se uma primeira questão, que é a de saber se este poderá ou não ser considerado uma figura pública, uma vez que a sua participação era mais técnica do que política, com funções de gestão de serviços. Se fosse a ex-ministra a invocar o direito à imagem, não havia dúvidas de que a sua notoriedade era motivo suficiente para a captação da imagem, dado que a lei entendeu satisfazer o interesse coletivo quando estão em causa figuras públicas. Não se tratando de pessoas revestidas de notoriedade, o Código Civil, no artigo 79º, estabelece que o seu retrato não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o seu consentimento.
Ficando latente a incerteza sobre se João da Silva Batista deve ou não ser considerado figura pública, outro dado pode ajudar a dirimir o conflito. Para além da pessoa em foco, a reserva da imagem está também condicionada pela natureza do assunto. Neste caso, embora admitindo recorrer, os arguidos foram acusados e condenados por prevaricação de cargo público, sendo a sentença suscetível de interessar à comunidade. Acresce ainda a isto que o visado estava a sair de um espaço também ele público, quando foi abordado pelos jornalistas.
Para noticiar o facto não era imprescindível recorrer à imagem de frente desta pessoa. Isso abona a favor do ex-secretário-geral. Seria menos incauto filmá-lo de costas, por exemplo, ou tapado pelo seu chapéu de chuva.