Opinião – Recorrer ao FAM deveria implicar responsabilização

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Norberto Pires

Norberto Pires

O Fundo de Apoio Municipal (FAM) – previsto na Lei 73/2013 que estabelece o regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais – recentemente criado depois de acordo entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios Portugueses, foi constituído com 650 milhões de euros de dinheiro público tendo o Estado central contribuído com 50% e as autarquias com os restantes 50%.

O objetivo do FAM é o de fazer empréstimos de emergência a municípios em ruptura financeira, isto é, cuja dívida total em 31 de Dezembro de cada ano seja superior a 3 vezes a média da receita corrente líquida cobrada nos três últimos exercícios. Quando um município está nessa situação de ruptura é obrigado a recorrer ao FAM para executar um plano de saneamento das suas contas.

Na verdade, o recurso a empréstimos de saneamento financeiro começa logo a ser recomendado a todos os municípios com dívida a 31 de dezembro superior a 1,5 vezes a média da receita corrente líquida cobrada nos três últimos exercícios (artigo 52º da Lei 73/2013 ). No entanto, se esse valor de dívida relativa se situar entre os 2,25 e os 3, o município passa a ser obrigado a contrair um empréstimo para saneamento financeiro ou recorrer ao procedimento de recuperação financeira com recurso ao FAM (artigo 58º da Lei 73/2013 ). O recurso ao FAM é, como já referi, obrigatório para municípios em ruptura financeira (artigo 61º da Lei 73/2013 ) .

Para terem uma ideia, o cenário* na Comunidade Intermunicipal de Coimbra, tomando por base a dívida das autarquias em função do número de habitantes e grau de endividamento, mostra situações muito diversas com um município em colapso e outros em situação preocupante. Na verdade, só a Mealhada (exemplar na disciplina financeira, com 1,25 euros de dívida por habitante e 0,17% de grau de endividamento), a Pampilhosa ( 66,98 euros/habitante e 2,8% de grau de endividamento) e Penacova ( 38,48 euros/habitante e 5,1% de grau de endividamento) é que apresentam em 2013 uma dívida por habitante inferior a 100 euros.

Infelizmente, outros municípios como Poiares ( 2.775,51 euros/habitante e 332% de grau de endividamento), Penela ( 1.031,83 euros/habitante e 91% de grau de endividamento), Montemor-o-Velho ( 1053,27 euros/habitante e 173% de grau de endividamento) e Cantanhede ( 952,68 euros/habitante e 179% de grau de endividamento) têm as maiores dívidas por habitante de todos os municípios da CIM.

Olhando para o saldo orçamental verifica-se que só 5 municípios (Mealhada, Miranda, Arganil, Mira e Penacova) têm saldo orçamental positivo em 2013, isto é, uma diferença positiva entre a receita total efetiva e a despesa total. Olhando para a evolução desse saldo anual nos últimos 4 anos o cenário não é nada tranquilizador e mostra uma tendência de deficit (todos os municípios que apresentam saldo orçamental negativo em 2013, também apresentaram saldo negativo em pelos menos 3 dos últimos 4 anos, sendo que os municípios mais endividados tiveram sempre saldos negativos nos últimos 4 anos).

Tudo isto significa que só o município de Poiares está em ruptura financeira e é obrigado a recorrer ao FAM realizando um plano de saneamento financeiro como previsto na lei. Cantanhede e Montemor-o-Velho tinham a 31 de dezembro de 2013 uma dívida superior a 1,5 vezes receita pelo que a lei (artigo 52º da Lei 73/2013 ) recomenda que considerem o recurso a empréstimos de saneamento financeiro. Recorrer ao FAM é um mecanismo de emergência que implica um rigoroso plano de recuperação financeira do município, o qual deve conter medidas específicas necessárias para atingir uma situação financeira equilibrada.

Na prática isso significa medidas de contenção da despesa corrente, com especial destaque na despesa com pessoal (redução de efetivos e eventual redução salarial); Racionalização da despesa de investimento prevista (menor investimento no município); maximização das receitas, nomeadamente no que se refere a impostos locais, taxas e operações de alienação de imóveis (impostos no máximo, aumento de taxas, venda de imóveis públicos).

Ou seja, o endividamento irresponsável de um município, obrigando-o a recorrer ao FAM, implica custos muito significativos para os munícipes. Nessa perspetiva, defendo que o acesso ao FAM – que é dinheiro público como referido – deve pressupor um exaustivo e prévio apuramento de responsabilidades pela situação atingida no município, com as devidas consequências pessoais e institucionais; doa a quem doer. E o plano de recuperação financeira deve ser público, transparente e escrutinado.

Não é possível que quem levou concelhos deste país à situação calamitosa de não ter dinheiro para pagar salários e acorrer às despesas mais básicas se fique a rir na cara de todos os contribuintes, porque de facto pagamos todos, e de todos os municípios que geriram bem (felizmente a maioria), e ainda diga que “não tem responsabilidades” pois soube “fazer uma gestão com engenharia financeira para responder aos compromissos” e que agora sim é que é “preciso fazer uma gestão rigorosa”.

* Fonte: Portal Municipal: www.portalmunicipal.pt

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