Opinião – Política à portuguesa

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Norberto Pires

Norberto Pires

Confundir a política que por cá se faz com aquela outra atividade bem mais nobre e que, segundo Cícero, foi inventada para resolver os nossos problemas é um erro crasso. Mas muito comum. Senão vejamos.

O Tribunal Constitucional (TC) não satisfeito com as suas superiores funções de defesa da Constituição Portuguesa resolve entrar também nesse jogo da política à portuguesa e chumba a CES (Contribuição Especial de Solidariedade) porque na opinião da maioria dos juízes aquilo não era uma verdadeira reforma.

Percebo a argumentação, mas esse é um julgamento político e moral que não compete ao TC. Ao decidir fazê-lo, o TC desprestigiou-se e perdeu aos olhos da população mais alguma da sua independência e autoridade. Não satisfeito com isso, o TC resolve dizer que os cortes salariais na função pública são 100% constitucionais em 2014, 80% constitucionais em 2015 e 100% inconstitucionais em 2016. Sinceramente, e muito a contragosto, tenho de dar alguma razão ao Ministro da Economia Pires de Lima: em Portugal acontecem coisas inexplicáveis.

O Vice-Primeiro Ministro em representação do Governo afirmou logo de seguida, às 21:10, que o Governo ia adoptar a “atitude de, naturalmente, procurar soluções viáveis e justas” para o chumbo do TC. No Pontal, menos de 24 horas depois, o Primeiro Ministro no papel de líder do PSD disse que afinal não faria “mais nenhuma proposta para reformar a segurança social até às eleições de 2015” as quais, recordo, decorrerão daqui a um ano e dois meses.

E avançou com uma proposta de acordo com o Partido Socialista. Pessoalmente, ainda agarrado à tal política que nada tem a ver com a que se “joga” por cá e que me leva ingenuamente a pensar que “… os portugueses escolhem para governar aqueles que resolvem problemas…” (Passos Coelho no debate quinzenal de 17 de Janeiro de 2014 ), fiquei muito confuso com esta súbita proposta, até porque existem em Portugal dois Partidos Socialistas. A qual deles se referia Pedro Passos Coelho (PPC)?

O Partido Socialista 1 disse qualquer coisa incompreensível que nem vale a pena relatar, afirmando ainda que declinava a proposta de PPC porque sim, e porque um dia ainda ia apresentar um plano qualquer. O Partido Socialista 2 defendeu que é necessário “estabilizar as pensões de hoje e ir acompanhando no futuro, na Concertação Social”, para que se crie “um equilíbrio positivo entre a política de rendimentos, entre a sustentabilidade do sistema e o crescimento económico”.

Perceberam? Isto é dito mais ou menos em código e quer dizer em Português corrente: “não faço a mínima ideia de como resolver isto, mas deus é grande e as pensões vão cair do céu”. Rezemos, portanto.

Pelo meio, o ex-exemplar deputado europeu Marinho Pinto disse que pensou melhor e afinal quer é ser Primeiro Ministro, ou Presidente da República; ainda não decidiu. Pelo que daqui a 1 ano, porque não é rico e tem contas para pagar, sai do Parlamento Europeu e volta para Portugal para concorrer às eleições pelo Partido da Terra, ou por outro partido que entretanto decida fundar.

O PCP, pela voz da deputada Margarida Botelho, ficou na sua zona de conforto a dizer que não ia apoiar nenhuma reforma, seja ela qual fosse, que “signifique mais cortes nas pensões e que signifique mais discriminação dos jovens trabalhadores”. É a retórica da luta que tudo apoia e tudo defende, esquecendo que as reformas implicam sacrifícios, perdas e cedências tendo em vista o interesse comum e sustentabilidade futura da segurança social.

Seria tudo muito divertido se não fosse trágico. É que o que temos entre mãos é uma crise institucional gravíssima que coloca em causa o regime. Todas as instituições foram sucessivamente falhando, nomeadamente os Governos, os Tribunais, os Reguladores, os Supervisores, o Presidente da República, os Partidos, a Comunicação Social e todos nós.

O resultado foi o reconhecimento em 2011, perante o colapso das finanças públicas, que não éramos capazes de governar o país e decidir autonomamente sobre o nosso futuro. Talvez seja a altura, digo eu, de todos pensarmos em reabilitar aquela outra forma de fazer política e que está focada na resolução dos nossos problemas.

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