Investigador João Pedro Gaspar
“Lembro-me como se fosse hoje, (…) fiquei naquela casa grande com gente desconhecida que me metia medo e que não me transmitia a calma da minha mãe. Foi horrível! Ainda hoje sinto o cheiro e os sons que me atormentavam”, conta um dos participantes no estudo “Os desafios da autonomização – Processos de transição para diferentes contextos de vida, segundo jovens adultos ex-institucionalizados”.
Este testemunho faz parte da tese de doutoramento de João Pedro Gaspar, especialista de Coimbra que trabalha há mais de 10 anos em instituições de acolhimento para crianças e jovens em risco e percebeu as dificuldades que os jovens têm após a saída da instituição.
Tal como a entrada de uma criança para a instituição pode ser traumatizante, o mesmo pode acontecer à saída, quando o Estado devia continuar a acompanhar os jovens, designadamente na procura de emprego e de casa, à semelhança do que acontece com as vítimas de violência doméstica, defende um estudo.
“O acompanhamento pós-institucional tem que ser uma realidade”, sublinha João Pedro Gaspar. O investigador do Instituto de Psicologia Cognitiva da Universidade de Coimbra recorreu a uma base de dados com 100 jovens adultos que viveram mais de 10 anos em instituições, selecionando 26 para a investigação.
Como momentos marcantes, os jovens apontaram a entrada e saída do lar, o abandono da família, e as amizades que fizeram na instituição.
“Uma autonomização brusca, sem uma rede de contactos familiares ou outros, tende a ser percecionada pelos jovens como uma “transição negativamente marcante” e a principal responsável por uma “vida adulta sem um rumo definido nem uma integração social adequada”, refere o estudo.
Nesta perspetiva há uma dualidade de sentimentos sobre a saída do lar: os jovens dizem que se sentiram livres por deixarem o que os “tolheu”, mas também angustiados pela insegurança e revolta provocada pelo abandono que sentiram por parte de quem os acolheu.
Atualmente, para cerca de metade dos casos, a saída da instituição só ocorre após os 15 anos, sendo o regresso ao “meio natural de vida” o principal destino.
Em 2013, havia 8.445 crianças e jovens em instituições de acolhimento, segundo a Segurança Social.